“Hoje, perante os efeitos da crise, está mais claro que nunca que o património enquanto herança cultural, tem um papel fundamental para a saída da crise”, disse Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional da Cultura, na conferência “Património Cultural – Uma nova convenção do Conselho da Europa para o século XXI”, em Loulé.
Foi em território do concelho de Loulé que a 27 de outubro de 2005 foi assinada a Convenção de Faro, um documento sobre o valor do património cultural na sociedade contemporânea. Passados seis anos, o Cine-Teatro Louletano recebeu, esta sexta-feira, a conferência “Património Cultural – Uma nova convenção do Conselho da Europa para o século XXI”, onde marcaram presença especialistas nacionais e estrangeiros para debater esta matéria.
Após a sessão de abertura pelo presidente da autarquia anfitriã, a projeção do documentário “O Ciclo do Pão” lançaria o mote para as intervenções. Neste filme, realizado na localidade dos Montes Novos, freguesia de Salir, em plena Serra do Caldeirão, com o patrocínio da Câmara Municipal de Loulé, a população local uniu-se para produzir um testemunho de uma tradição ancestral que faz parte do património imaterial destas paragens do interior.
Seguiu-se a apresentação de Guilherme d’Oliveira Martins, um dos responsáveis pela elaboração do documento que resultou da Convenção de Faro, e que fez uma súmula desta convenção realizada no âmbito de “Faro Capital da Cultura 2005”, assinada nesse mesmo ano, mas que só entrou em vigor no passado dia 1 de junho.
Esta convenção-quadro (com carácter inovador) nasceu no seio do Conselho da Europa e foi antecedida pelas convenções de La Valleta (1985), Granada (1992) e Florença (2000). Surgiu, segundo este orador, a partir da experiência das Jornadas Europeias do Património e do “património enquanto fator fundamental do primado das pessoas na vida social e económica e também na preservação da herança das gerações passadas”.
Segundo o presidente do Centro Nacional de Cultura, a grande inovação deste documento é o facto do património cultural, enquanto conjunto de recursos herdados do passado e que as pessoas identificam como valores, crenças e tradições, não ser constituído apenas pelas referências materiais mas também pelo património imaterial e a sua relação com a sociedade contemporânea.
“A pessoa tem o direito de participar livremente na expressão cultural. A sociedade tem que evoluir na consciência dos seus limites, que os recursos são escassos, e também na preservação na natureza”, disse o conferencista.
Guilherme d’Oliveira Martins falou da noção de património comum, em que o Conselho da Europa aprofunda o conceito de património comum da Europa que constitui uma fonte partilhada de coesão.
Em suma, este responsável sublinhou o facto de esta Convenção não ser apenas uma convenção teórica e académica mas ter também o cunho cívico e que constitui um fator de paz, entendimento e justiça. “Esta iniciativa irá continuar mas é indispensável a participação da comunidade científica e dos cidadãos”, afirmou.
Daniel Thérond, responsável pela Divisão do Património Cultural e Paisagem do Conselho da Europa e vice-diretor da Cultura e Património Cultural e Natural (Estrasburgo) falou das contribuições inéditas da Convenção de Faro. “A Europa navega num mar agitado. Mas para a família do património, esta convenção é uma luz”, disse Daniel Thérond.
Este orador falou ainda da importância do discurso económico sobre a utilização do património, nomeadamente na criação de emprego, regeneração das localidades e no desenvolvimento sustentável para as populações.
Seguiu-se a intervenção de João Guerreiro, reitor da Universidade do Algarve, que trouxe uma reflexão sobre o papel da cultura no desenvolvimento regional (Desenvolvimento – Cultura – Património).
Nesse sentido, reportou-se ao facto do Algarve ser uma região relativamente pequena o que introduz limitações em termos de uma competitividade baixa. Mas, por outro lado, por ser uma região aberta ao exterior, permite gerar criatividade associada ao património.
Já Cláudio Torres , arqueólogo e presidente do Campo Arqueológico de Mértola, falou do forte investimento em termos de investigação científica que está a ser realizado em Mértola.
Este arqueólogo abordou ainda a ligação da Europa ao Mediterrâneo e a ligação ao Norte de África. “Esta área cultural que é o Mediterrâneo tem que ter um futuro e nós temos que criar pontes com o outro lado”, referiu.
Da Noruega para Loulé, Dag Myklebust, assessor do governo norueguês para o património cultural, falou da Convenção de Faro como desvio do paradigma do pensamento internacional sobre a preservação do património cultural, abordando o historial que antecedeu esta Convenção e do papel importante que Portugal teve na elaboração deste documento.
O presidente do júri dos Prémios do Património da União Europa/Concurso Europa Nostra, José María Ballester, fez uma apresentação subordinada ao tema “Que Património, para que Sociedade?”, salientando que a Convenção de Faro deu uma dimensão social ao património cultural, passando a ser encarado o património como fomento de coesão social.
Finalmente, Lídia Jorge, escritora louletana, falou da cultura enquanto um dos “pilares do desenvolvimento, um dos fatores de identificação, de semelhança e de diferença”.
E reforçou também a ideia de que “os bens culturais são tão necessários quanto os bens da saúde e da alimentação e de que a troca de objetos de cultura aproxima as regiões e os povos, nas suas diversidades”.
Quanto ao futuro do património, Lídia Jorge acredita ser necessário continuar a “promover a sua manutenção, a sua recolha, a sua promoção, conservação, interpretação, divulgação” mas também “incentivar as comunidades a serem inquietas sobre o sentido dos seus pertences culturais comuns, exigir que a Escola seja dinâmica e promova a curiosidade e a ambição de saber como matéria essencial. Ou pedir à Universidade, a quem entregamos a cúpula do saber, que nunca desarme nos princípios da exigência”.
Indo ao encontro do apelo feito pela escritora e pelos restantes oradores, a Universidade do Algarve, através do seu reitor, assumiu nesta Conferência o compromisso de organizar, de dois em dois anos, as jornadas de acompanhamento da Convenção do Conselho da Europa, no âmbito do Património Cultural, em parceria com a Câmara de Loulé e o Centro Nacional de Cultura.