Abrir a torneira e, quase de forma instantânea, sair água é um processo que parece simples, mas tem por detrás várias etapas. Desde a recolha da água até à sua chegada à Estação de Tratamento de Águas (ETA), passando por um processo de filtragem e análise, há muito trabalho a fazer. Alcantarilha, com a sua ETA, é um dos “bastiões” da água, que sai das torneiras em todo o Algarve, região onde este recurso natural até tem um certificado de qualidade.
Na ETA de Alcantarilha, há salas barulhentas, tubos de grandes dimensões, um cheiro a cloro, mas também laboratórios apetrechados com tecnologia de ponta. Dali, a água tratada segue para os concelhos de Albufeira, Aljezur, Lagoa, Lagos, Monchique, Portimão, Loulé (Oeste e Norte), Silves e Vila do Bispo.
Ainda assim, não é na ETA que todo o processo começa, mas sim… na Barragem de Odelouca, de onde chega a água. Depois há, logo, uma primeira etapa: a pré-oxidação, com Ozono, das substâncias presentes .«Assim podemos começar logo a desinfetar a água», explica Helena Lucas, diretora da operação do subsistema de abastecimento, ao Sul Informação, que acompanhou, em reportagem, todo o processo de tratamento da água.
Dali, a água segue para um processo de coagulação química. Em tanques, é deitado um coagulante, mas também carvão. O objetivo: eliminar substâncias indesejáveis, como aquelas que estão associadas ao cheiro e ao sabor.
A estes junta-se um outro floculante roxo que vai dar uma cor mais límpida à água. «Na barragem de Odelouca, a água tem um tom acastanhado», explica Helena Lucas, enquanto visita cada uma das secções por onde passa a água até chegar às torneiras.
O tratamento dos (poucos) sólidos presentes na água é o próximo passo. Mas a «qualidade da água de Odelouca» é tanta que «quase não tem sólidos que decantem», mas que flutuam.
Assim, neste processo é possível ver pequenas espumas de uma cor amarelada a flutuar nos tanques. Para o futuro, até já há um projeto revelado por Helena Lucas ao nosso jornal: «construir uma unidade de flutuação».
Chega, depois, a altura da filtragem, que vai remover as partículas ainda presentes na água decantada. «A água chega-nos com uma turvação de 2 unidades. Na decantação, tem 0.4 e a lei diz que a água está pronta para consumo quando tem 1 unidade», explica a diretora da operação do subsistema de abastecimento.
Apesar de, chegada a este ponto, a água estar legalmente apta a ser distribuída, o processo (ainda) não terminou.
Num túnel escuro, é feita a desinfeção final, com cloro. E a junção desta substância não altera a qualidade da água? Helena Lucas é perentória na resposta: «o cloro não tem nada para se combinar. Quando abrimos a torneira e enchemos um jarro com água, ao fim de 30 minutos já não há cloro nenhum. Só era prejudicial se se combinasse com alguma matéria orgânica».
E o processo… está terminado. Ou melhor: quase terminado, porque falta a água ser bombeada pelos dois adutores do sistema para os reservatórios. É nesse processo que se gasta «a maior parte de eletricidade da ETA»: cerca de 60%. Já a ligação seguinte, dos reservatórios até às casas, por exemplo, está a cargo dos municípios.
Neste verdadeiro “ciclo da água”, a supervisão é constante. Isto porque, nos laboratórios, tudo é monitorizado, assim como na “Sala de Operações”, onde há, a todas as horas, sempre alguém de serviço.
No laboratório, em cada uma das etapas, são recolhidas amostras da água para serem analisadas. Uma das encarregadas deste trabalho é Sandra Ribeiro que explicou ao Sul Informação alguns dos parâmetros que são medidos: «o alumínio, o manganês ou o ferro».
Tudo isto é feito com recurso a «equipamentos específicos», acrescentou. Feita a análise, os resultados são facilitados e é decidido se é necessário – ou não – fazer um ajuste ao tratamento.
O facto de a empresa Águas do Algarve, que também tem outra ETA em Tavira, onde o processo de tratamento é idêntico, ser «a única na Europa» com água com certificado de qualidade da HACCP obriga a atenções – e precauções – redobradas. Helena Lucas, orgulhosa, diz que esta distinção se deve «a um conjunto de boas práticas desde a construção à manutenção».
«Nós gerimos tudo de uma forma segura. Vou dar um exemplo: todo o nosso material tem estar aprovado por um laboratório para poder estar em contacto com a água. Imagine que há uma conduta ou uma rutura: nós não a pomos novamente em serviço sem desinfetar esse troço», explica.
E para o futuro o objetivo é não baixar a qualidade. Como tal, a Águas do Algarve participou num projeto internacional – o My Hemb – cuja ideia é precaver problemas que possam vir a acontecer. Numa sala, junto à zona de bombagem da água para os reservatórios, estão, agora, duas máquinas com propósitos diferentes.
Uma simula o tratamento de água que é feito pela empresa Águas do Algarve, a outra simula um tratamento com novas tecnologias. «Assim podemos já testar possíveis contaminantes futuros que possam aparecer na água e como os podemos tratar», explica Helena Lucas.
Estes potenciais contaminantes podem advir, por exemplo, «das secas ou das alterações climáticas», diz. As conclusões, por agora, são que a máquina que usa novas tecnologias «remove mais contaminantes se tivéssemos concentrações elevadas de fármacos ou pesticidas, mas gastaria muito carvão», revelou a diretora da operação ao Sul Informação.
Com ou sem avanços (ou futuros contaminantes), por agora o certo é que a água sai da ETA de Alcantarilha com um pH neutro (de 7) e uma turvação de 0.1.
E as queixas de que, por vezes, a água tens tons barrentos e de calcário não se devem, em nada, à empresa Águas do Algarve, garante Helena Lucas. «Se houver uma recolha de água em baixa e a conduta voltar a ser posta a trabalhar sem ser lavada, isso pode acontecer», explica. Mas tal situação é «responsabilidade dos municípios».
Depois de visitar todo o processo de tratamento, chega a altura de desfrutar de um copo de água da torneira (como não podia deixar de ser). Entre goles, Helena Lucas conclui: «infelizmente, em Portugal ainda temos a ideia errada de que a água da torneira não é boa».
Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação