Esta segunda-feira, dia 22 de Agosto, a Ponte Internacional do Guadiana cumpre 25 anos, ao serviço do tráfego entre Portugal e Espanha. Os resultados são bastante positivos quer para o Algarve e a Andaluzia, quer para os concelhos de fronteira mais próximos, Vila Real de Santo António, Castro Marim e Ayamonte.
A abertura da ponte internacional do Guadiana, em 1991, alterou as relações transfronteiriças entre o Sul de Portugal e Espanha e criou novas dinâmicas económicas, sociais e culturais.
Passados 25 anos sobre a inauguração, Vila Real de Santo António tem hoje visitas diárias de espanhóis ao comércio local, está unida politicamente com a localidade espanhola de Ayamonte numa Eurocidade — que também inclui o município de Castro Marim — e as relações sociais e culturais entre habitantes dos dois lados da fronteira são uma realidade.
O intercâmbio cultural deu origem ao movimento cultural «Poetas do Guadiana» que recentemente apresentou o livro alusivo ao quinto ano de criação. (5.50 – Cinco Anos, Cinquenta Poetas)
A passagem fluvial para Ayamonte deixou de ser a única ligação com Espanha, não encerrou, e, apesar de estar localizada a cerca de cinco quilómetros, a ponte tornou quotidianas as visitas de cidadãos de um país ao outro. É constante a presença de espanhóis em restaurantes, lojas ou praias e é habitual ouvir falar castelhano nas ruas em Vila Real de Santo António.
As longas filas de automóveis para entrar no “ferry” que fazia a única ligação entre o Algarve a região espanhola da Andaluzia, entre Vila Real de Santo António e Ayamonte (Espanha), deixaram de existir, mas as previsões que apontaram para a quebra de visitantes na cidade pombalina com a abertura da ponte não se confirmaram e as visitas de alguns até se tornaram mais frequentes.
A Ponte Internacional do Guadiana foi, pois, inaugurada há 25 anos depois da Ponte 25 de Abril, ao cabo de uma reivindicação popular em todo o Baixo-Guadiana e na vizinha Andaluzia.
Todos queriam ver as duas margens do grande rio ibérico unidas por forma a não terem horários para passar a fronteira.
Inicialmente prevista para ser construída entre Vila Real de Santo António e Ayamonte, razões técnicas e de política de transportes fizeram com que, afinal, a ponte subisse para montante, até ao concelho de Castro Marim.
Aqui se assinala a efeméride, para lembrar que aquilo que se tem, e aparentemente parece ter existido sempre, é uma das 100 mais notáveis obras de engenharia civil construídas no século XX em Portugal. A ponte ficou a constituir o símbolo da delegação de Faro da Ordem dos Engenheiros.
Como tudo começou
O primeiro passo foi dado em 1970, quando os governos de Portugal e Espanha assinam um convénio para a construção da ponte. O sonho começou a tomar forma, mas não deixava de ser, ainda, uma miragem.
Só em 1981, 11 anos depois, foi decidida a localização definitiva. Durante este período de tempo foram equacionadas várias hipóteses, entre as quais a ligação a sul das duas localidades — Vila Real de Santo António e Ayamonte — ou imediatamente a norte desta.
Esta localização coincidia com as salinas e a reserva natural. Ou seja, quer por questões técnicas ou ambientais, estas alternativas foram sendo postas de parte. Neste mesmo ano os dois governos estabelecem que a ponte se localizaria a norte do Parador de Ayamonte, frente à localidade portuguesa de Monte Francisco, no concelho de Castro Marim.
A miragem ia-se transformando em realidade – mesmo para os mais incrédulos – e, ao mesmo tempo, morria o sonho de unir diretamente Vila Real de Santo António e Ayamonte, hoje transformado num quimérico teleférico.
No início de 1989 começavam as obras. Dois anos e meio depois, a 22 de agosto de 1991 a ponte era aberta ao trânsito.
Até à localização definitiva, a maior preocupação residia nas empresas que faziam o transporte de viaturas e passageiros entre as duas margens. Temiam o futuro com a construção da ponte.
Hoje o movimento de barcos mantém-se, transportam-se automóveis, mas os horários são mais espaçados e o número de passageiros nada tem a ver com o passado.
Vila Real de Santo António temeu com a passagem ao largo do trânsito, em especial o seu próspero comércio de têxteis, mas não foi a ponte a ter influência no declínio desta atividade para níveis mais modestos, mas sim a liberalização comercial o fim do escudo deslizante, que se seguiu à entrada de Portugal na hoje União Europeia.
No primeiro momento, foi exigida a continuação da ligação por barco, a melhoria das acessibilidades à cidade, nomeadamente, a melhoria da EN-122 e a construção de uma passagem superior à linha de caminho de ferro, junto da ribeira da Carrasqueira, para evitar as esperas na passagem de nível à entrada. O problema foi resolvido com a construção da atual estrada a norte da linha de caminho de ferro, que causou grande controvérsia entre os ecologistas, unindo a EN122 e a Avenida da República.
Depois de inaugurada a ponte, foi de imediato inaugurada a autoestrada para Huelva, no lado espanhol, tanto mais que o ano seguinte era o da Expo’92, em Sevilha.
Desta forma se unia o Algarve à capital da Andaluzia e às restantes capitais espanholas. Antes, durante o Verão, devido ao intenso tráfego e às longas filas localizadas essencialmente nos semáforos de Lepe e Cartaya, a demora era de mais de uma hora e meia para percorrer, pela estrada nacional, os 60 km que separam a ponte da cidade de Huelva.
Pouco tempo depois, chegou o primeiro troço do IC-27, concluído em 2002, entre Monte Francisco e Odeleite, com 12,8km, e, mais tarde o segundo troço, entre Odeleite e Alcoutim (cerca de 19 km).
O terceiro não se fez quando não havia crise, protelado por outras obras que o governo considerou mais prioritárias. Ficará a aguardar melhores dias o troço entre Alcoutim e Albernoa, no distrito de Beja.
Antes da construção da ponte, ir a Espanha era um desafio enfiar um automóvel nos barcos, depois da espera em interminável fila, para passar na alfândega.
Há já outra ponte internacional do Guadiana, entre o Granado e o Pomarão, também muito importante para o Baixo Guadiana. Esta ponte veio suprir uma lacuna no relacionamento das populações ribeirinhas do Guadiana, prejudicada com a construção da barragem do Chança, uma vez que no coroamento da barragem não foi previsto o trânsito automóvel.
O ano da inauguração da Ponte
O ano da inauguração da Ponte Internacional do Guadiana começou com a reeleição do dr. Mário Soares para Presidente da República. Foram outros candidatos Basílio Horta, Carlos Carvalhas, e Carlos Marques.
Logo no início do ano, o governo de Cavaco Silva aprovou o PROTAL. Valente de Oliveira, ministro do Planeamento e Ordenamento do Território deslocou-se ao Algarve para entregar a derradeira versão do documento aos presidentes das Câmaras Municipais, aos quais ficaram acometidas responsabilidades de fiscalizarem a sua execução.
Na II Reunião do Grupo Parlamentar de Amizade Espanha-Portugal, o deputado do PSD António Vairinhos, pediu a criação de uma linha aérea entre Faro e Sevilha, a construção de uma auto-estrada ente Huelva e Ayamonte e deu-se relevo à apresentação em Bruxelas de um Plano de Desenvolvimento Transfronteiriço.
Sendo ano de legislativas, as listas para deputados começaram a mexer logo no mês de março, quando se anunciava um crescimento no sector do turismo de 13,6% no mês de fevereiro e a procura da Baía de Monte Gordo por suecos e finlandeses.
Nas jornadas parlamentares do PS, António Guterres afirmou que a Região Administrativa do Algarve podia ser criada já em 1992, desde que existisse uma maioria socialista. Os deputados do PS visitaram as obras da Ponte Internacional do Guadiana.
Nesse mesmo mês, Mário Fernandes, presidente da Junta Autónoma das Estradas, perante a Comissão Parlamentar do Equipamento Social da Assembleia da República, anuncia a abertura da ponte para o mês de agosto de 1991, com um atraso de 14 a 15 meses, atribuindo o atraso à descoberta de formações geológicas diferentes das detetadas durante as sondagens efetuadas para a elaboração do projeto. Durante a construção, a ponte conheceu uma pequena fissura e um acidente mortal.
A primeira grande crítica sobre o atraso na definição dos acessos foi feita pelo deputado socialista José Apolinário que causticou o Governo pela deficiência dos acessos a Castro Marim, Vila Real de Santo António e Alcoutim, em vésperas da inauguração da ponte.
No ano da ponte foi constituída a Associação de Municípios do Sotavento Algarvio (AMSA) que desempenhou um importantíssimo papel no abastecimento de água a partir do sistema Odeleite-Beliche, aos concelhos da sub-região.
Em Maio, as cidades de Ayamonte e Vila Real de Santo António realizaram na Escola Secundária de Vila Real de Santo António um colóquio a propósito do impacto da Ponte Internacional do Guadiana, onde cada uma expôs o seu sonho: Ayamonte, a construção do projeto de Isla Canela; Vila Real de Santo António o da Ponta da Areia, ambos a prever a construção de marinas e campos de golfe, protestando contra as burocracias de Faro e Huelva que travavam o lançamento.
A Câmara Municipal de Castro Marim protestou contra o atraso na construção das instalações da fronteira, quatro meses antes da abertura, mas a Junta Autónoma das Estradas minimizou o problema, afirmando que não se tratava de uma fronteira normal e que iria ser exercido apenas um controlo mínimo.
No final de junho, os empresários de Vila Real de Santo António e Monte Gordo manifestavam a sua apreensão pelo facto da ponte ter a inauguração prevista para 15 de Agosto e os acessos se encontrarem bastante atrasados.
Em julho, soube-se que a fronteira fluvial continuaria aberta ao tráfego de passageiros, após a inauguração da ponte, ficando desfeitos boatos que davam como próximo o encerramento, tendo a empresa espanhola, em reunião havida na Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, anunciado que encerraria por falta de rendibilidade económica.
Perto do final do mês, estalou a controvérsia, tendo o governo recuado na data da inauguração, cedendo a pressões que tinham a ver com o atraso nas obras dos acessos a Vila Real de Santo António e Castro Marim.
A ACRAL, em Conferência de Imprensa, afirmou que a abertura da ponte só se deveria fazer quando os acessos a Vila Real de Santo António estivessem garantidos. E, traçando um quadro de catástrofe, anunciou que, se tais arranjos não ficassem prontos na data de inauguração da ponte, a cidade ficaria isolada «à margem do desenvolvimento e do progresso” que a ponte traria, sendo de esperar, nestas circunstâncias, falências em cadeia das empresas do comércio e serviços com o consequente desemprego de boa parte da população. Os comerciantes mandaram então ao primeiro-ministro Cavaco Silva uma carta a solicitar o adiamento da inauguração.
No dia 11 de agosto, tinham acabado os ensaios. Dezoito veículos longos de 38 toneladas passaram ao mesmo tempo sobre a ponte e, cada vez que um desses camiões estava a sair do tabuleiro, «saltava» com arranques e travagens bruscas.
A ponte abriu ao tráfego em 22 de agosto, de forma discreta, sem pompa nem circunstância. A CP, num gesto de boa vontade, anunciou a automatização da passagem de nível, enquanto se apontava na altura para a construção de uma passagem elevada junto ao Bairro do Matadouro.
Os primeiros dias da abertura da ponte vieram a contrariar as afirmações catastróficas, trazendo a Vila Real de Santo António centenas de espanhóis que se deslocaram nos seus carros para compras e deram mais vida a cafés e restaurantes, o mesmo acontecendo em Ayamonte e Isla Cristina com os portugueses, só comparável aos dias da feira de outubro.
O otimismo voltou rapidamente ao comércio vila-realense e alguns começaram desde logo a afirmar que a abertura da ponte só pecava por tardia. O ambiente era de festa e euforia de um e do outro lado do Guadiana, embora ainda restasse a contrariedade do mau acesso e do controlo fronteiriço.
Em setembro, eram já os comerciantes de Faro a manifestarem a sua satisfação pelos resultados positivos da abertura da Ponte do Guadiana como factor de dinamização da capital algarvia, com os espanhóis a afluírem em maior número e de uma forma mais constante.
Em outubro, realizaram-se eleições legislativas, com a particularidade do PSD ter vencido em todos os concelhos do Algarve: PSD 50,5%, 5 deputados, PS 31,4%, 3 deputados, CDU 7,3 %.
Em dezembro, a Comissão Regional de Turismo do Algarve considerou que, com a inauguração da Ponte do Guadiana tinha nascido uma nova componente no «impot» turístico e, com ele, um certo alargamento do tal conceito de qualidade turística.
A estrutura da ponte
A Ponte Internacional do Guadiana é de tirantes múltiplos, com um vão total de 666 metros, subdividido em cinco. Um central de 324m (de torre a torre), o segundo maior do país a seguir ao da Ponte sobre o Tejo, em Lisboa, dois laterais com 135 metros (também suspensos), e outros dois de 36m.
As fundações das duas torres (100 metros de altura cada uma) são constituídas por dois maciços de betão pré-esforçado (com 16,5 metros, por 16,5 metros, por 5 metros). Para a edificação destes maciços da torre localizada no leito do rio, os técnicos recorreram à construção de uma ilha envolvida por um recinto, formado pelas denominadas estacas-prancha (com 20 metros por 50). O solo que envolve esta ilha foi tratado por vibro substituição, numa área com 100 metros por 130, para impedir a liquefação das areias, no caso de ocorrer um sismo.
Os 128 tirantes que sustentam o tabuleiro são constituídos por cordões de aço galvanizado de alta resistência, protegidos individualmente por uma bainha de polietileno e cera no preenchimento dos espaços. Assim, é possível a sua substituição, cordão a cordão, sem interferência com o tráfego na ponte.
Devido a razões de natureza técnica e ambiental, no lado português foi ainda construído um viaduto de acesso. Ao contrário da construção do tabuleiro, em que foram usadas aduelas betonadas no local, este viaduto (com 360 metros), que faz o prolongamento da ponte em direção à chamada zona de fronteira, é constituído por vigas pré-fabricadas com 30m cada.
A Ponte Internacional do Guadiana e o seu complexo rodoviário – que ligam o IP1 (Valença/Castro Marim) à Carretera Nacional 431, em Espanha, incluindo-se na Estrada Europeia E-01 (Larne/Sevilha) – constituem o principal ponto de passagem entre Portugal e Espanha na região sul do país.
Autor: José Estêvão da Cruz é jornalista e escritor