«Não se fecha uma porta sem abrir outra. Se ele não, sabe, devia saber. Se não tem capacidade, dê o lugar a outro», gritava um habitante de 77 anos da freguesia de Odeleite, visivelmente irritado, dirigindo-se ao representante da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA), que já se afastava.
Francisco Pereira foi um dos cerca de 200 habitantes de Odeleite e do Azinhal, freguesias de Castro Marim, bem como habitantes de Vaqueiros, em Alcoutim, que viram fechadas as Extensões de Saúde locais, que se manifestaram esta terça-feira em Faro contra o fecho destes serviços.
A ARSA até deu a cara, através do vogal da direção Miguel Madeira, mas nem os argumentos que apresentou para justificar o fecho das unidades de saúde, nem sequer a garantia que deu que este não era um processo «irreversível» e que um regresso à situação original iria ser estudado por um Grupo de Trabalho, que inclui a Câmara castromarinense e as Juntas de Freguesia, acalmou os ânimos de alguns dos manifestantes.
No Largo do Carmo, em Faro, frente à sede da ARSA, a população, na sua larga maioria idosa, não escondia a sua indignação pelo fecho das Extensões de Saúde. Com o encerramento destas unidades, os habitantes destas duas freguesias têm de se deslocar à sede de concelho, que fica, em alguns casos, a cerca de 40 quilómetros de distância, para ter uma consulta médica.
Antes, eram o médico e o enfermeiro que iam à sede de freguesia, bem mais próxima, duas vezes por semana. Uma situação que tem mais impacto junto de uma população envelhecida, onde as doenças crónicas são habituais e a necessidade de monitorização permanente é transversal a muitos dos habitantes locais.
«A solução passa obrigatoriamente pela reabertura, porque não faz sentido as pessoas deslocarem-se das suas freguesias à sede de concelho. São distâncias muito longas e, além disso, muitas pessoas não têm meios de transportes e não há transportes públicos», considerou o recém-empossado presidente da Câmara de Castro Marim Francisco Amaral, que, na manhã de ontem, se reuniu com os administradores da ARSA .
Da parte daquela entidade, há abertura para voltar atrás. «Havendo um acordo tri-partido, em que a Câmara e as Juntas de Freguesia assumem algumas despesas, a ARSA admite essa possibilidade. A Câmara poderá financiar o equipamento informático e as juntas garantir a parte administrativa. A ARS avançará com o médico e o enfermeiro», revelou.
Ainda não há um timing definido para uma eventual reabertura das duas Extensões de Saúde, mas Francisco Amaral espera conseguir despachar todo o processo rapidamente. «Espero que no espaço de um mês possamos elaborar este acordo, com suporte jurídico», disse.
O edil defende que a ARSA, «se calhar, não mediu bem a decisão que tomou». «Estamos a falar de uma população idosa, com 70, 80 ou 90 anos, que tem imensa dificuldade em se deslocar. São diabéticos, hipertensos, pessoas com problemas reumáticos, que precisam de apoio médico perto de casa», defendeu.
E porque não se tentou dialogar com os órgãos autárquicos de Castro Marim antes de fechar as extensões? Miguel Madeira justificou a decisão unilateral da ARSA com o facto de estarem à porta as eleições autárquicas. Também recusou que o fecho se tenha devido exclusivamente à vontade de poupar dinheiro, garantindo que esteve igualmente ligado à falta de acesso à rede informática dos Centros de Saúde nestas extensões.
Argumentos apresentados aos jornalistas, mas que foram igualmente ouvidos por muitos populares, que se aglomeraram à porta da sede da ARSA, onde decorria a entrevista. Os habitantes de Odeleite e do Azinhal mostraram-se pouco sensíveis às justificações dadas e negaram que, como afirmou Miguel Madeira, todos os utentes inscritos nestas extensões de saúde «tenham agora médico de família».
«Uma pessoa vai ao Centro de Saúde e dizem-nos que a nossa ficha não lá está e que está fechada», alegava Francisco Pereira. Já Claudina Brás, que foi operada há pouco tempo a uma perna, garantiu que estava sem acesso a fisioterapia por não conseguir consulta com a sua médica de família.
«Andava fazendo fisioterapia e fecharam a porta. O doutor deu-me uma carta para ser assinada pela médica de família. Fui lá e a porta estava fechada e, a seguir, estava outra vez fechada. Ando com ela aqui no bolso», disse. Antes, estes trâmites eram assegurados pelo médico que se dirigia às sedes de freguesia duas vezes por semana.
Deslocações podem levar pessoas a deixar de ir ao médico
Mesmo com médico de família, coloca-se a esta população um problema bem mais complicado de resolver: a falta de transportes regulares entre os locais onde vivem e a sede de concelho, onde se encontra o Centro de Saúde.
Os muitos habitantes que não têm transporte próprio ficam dependentes de terceiros e, muitas vezes, desistem de se dirigir ao Centro de Saúde, mesmo quando necessitam de acompanhamento regular. «Esta é uma população habituada a sofrer», ilustrou Francisco Amaral.
Para o edil castromarinense, esta não é uma situação nova e já a viveu enquanto presidente da Câmara de Alcoutim. «Há uma meia-dúzia de anos, na altura do Governo de Sócrates, encerrou-se a Extensão de Saúde do Pereiro/Giões, contra a minha vontade», recordou.
«A ARS colocou uma carrinha ao serviço da população, mas o que é facto é que as pessoas não se deslocaram. Uma avaliação feita uns tempos depois revelou que se deslocava, em média, uma pessoa por dia. A ideia que eu tenho é que as diabetes se descontrolaram, que as hipertensões se descontrolaram e que as pessoas vão ao médico esporadicamente, quando têm uma boleia de um conhecido ou familiar», contou.
«Quem toma estas decisões, não vai primeiro aos sítios ver como as coisas são. Pensam que aquilo são meia-dúzia que vão à consulta. Mas não! É muitíssima gente que precisa de consulta e se lá fossem quatro ou cinco vezes por semana, havia sempre pessoas com necessidade», diz Maria Amália, que lembra que, só na freguesia de Odeleite «vivem cerca de 1500 pessoas».