Em 1932, foi longo o périplo do Presidente Óscar Carmona pelo Algarve, que percorreu quase de uma ponta à outra. Foi a segunda visita de um chefe de Estado feita ao Algarve após a implantação da República. O X capítulo desta viagem é dedicado à passagem do Chefe de Estado por Lagos, onde ouviu falar da maior aspiração local: a construção de um porto.
O quarto e último dia da visita presidencial ao Algarve, 18 de fevereiro de 1932, levou o chefe de Estado e demais comitiva (presidente do Ministério, ministros do Comércio, Marinha, Guerra e Justiça, governador civil, etc.) a visitar Lagos e Sagres.
A cidade dos Descobrimentos não era totalmente desconhecida de Óscar Carmona, dado que ele ali comandara, em 1925, por escassos meses, a 4ª Região Militar.
Os insignes visitantes saíram pelas 9h00 da manhã da Praia da Rocha, onde ficaram alojados depois da visita a Portimão, na véspera.
Apesar da chuva que caía copiosamente, o cortejo automóvel foi saudado em diferentes locais por magotes de pessoas, que, entusiasticamente, aclamaram os visitantes, lançando-lhes flores.
Uma hora depois o séquito presidencial entrava em Lagos. O acolhimento na cidade foi descrito de uma forma sublime pelo jornalista de “O Século”: “Em Lagos a recepção foi grandiosa, apesar do pitoresco que lhe apresentava a chuva. Milhares de pessoas, sob guarda-chuvas, se comprimiam nas ruas e, especialmente, no largo fronteiro aos Paços do Concelho, soltando a todo o momento «vivas» vibrantes. As janelas estavam apinhadas de senhoras que despejavam, sobre os automóveis, verdadeiras catadupas de flores. Estralejavam foguetes, ribombavam morteiros, no alto dos mastros tremulavam bandeiras encharcadas”.
À semelhança de outras localidades algarvias, a sessão de boas vindas decorreu na Câmara Municipal. No exterior, tiveram lugar as homenagens prestadas pela guarda de honra (Companhia de Infantaria 15), e após o hino nacional, o chefe de Estado e os ministros subiram, sob um espesso tapete de flores, as escadas da Câmara, até à sala de sessões.
Esta encontrava-se engalanada com ricas colgaduras e repleta de público, o qual “demoradamente, os saudou com palmas e vivas.”
Abriu a sessão o presidente da Câmara Francisco Moreira Pacheco, dando as boas vindas em nome do Município de Lagos, mas também de Aljezur e Vila do Bispo.
Depois de se congratular com a obra realizada pela Ditadura e dizendo “esperar dela o bem-estar económico e a paz moral de todos os cidadãos”, acrescentou, de acordo com “O Século”: “Lagos orgulha-se da sua baía, tão conhecida em todo o mundo, e espera obter do Governo da Ditadura, que a toda a parte tem levado a sua força construtiva e renovadora, que não deixará de atender a velha aspiração de fazer construir, aqui, o porto de refúgio de que a navegação nacional e internacional carece, lançando na terra de Gil Eanes, do Cabo Bojador, as bases de um porto, que pelas suas condições geográficas, hidrográficas e de abrigo, em breve será um centro atractivo da navegação que cruza o mediterrâneo, e por certo, também, a base naval, afastada de Lisboa, de que a nossa Marinha reconstituída não poderá abstrair”.
Elogiou seguidamente as qualidades do chefe de Estado, para regressar pouco depois à temática do porto, referindo, segundo o “Diário de Notícias”, que “só o Governo da Ditadura, com a sua sábia administração gerida pelo grande estadista sr. dr. Oliveira Salazar, e colaborada com tanta abnegação e tanto patriotismo por todos os ilustres membros do governo, cuja obra muito admiramos, poderá realizar”.
Terminou apresentando os operários Vítor da Costa e Silva e José da Costa, que iam ser condecorados pelo presidente da República, o primeiro com a Ordem de Cristo e o segundo com a de Mérito Agrícola.
O chefe de Estado usou por breves momentos da palavra para agradecer as manifestações de que fora alvo. Evocou a Epopeia dos Descobrimentos, para analogamente e lembrando que o Regimento de Infantaria 33 (sediado em Lagos) foi o primeiro que se manifestou apoiando o movimento do 28 de Maio, comparar, “salvo as devidas proporções, (…) o seu aspecto renovador, ao ciclo dos descobrimentos marítimos, embora não possa atingir a grandeza desse áureo período da nossa História”.
Terminou depois: “Quando do princípio da Ditadura, pensava-se que se tratava de mais uma aventura política, como tantas outras. Mas hoje, depois de realizada uma tão formidável obra material e de estar em vias de realização uma grande obra de carácter moral, já não há o direito de pensar assim.” Seguidamente foi presenteado com um ramo de flores, com fitas das cores nacionais, por uma aluna da escola feminina.
Em nome dos operários de Lagos, discursou o tipógrafo Francisco da Conceição Paula. Na sua intervenção, aludiu à crise que grassava entre as classes operárias, bem como algum descontentamento pela ordem social. O jornal “O Século” publicou o seu discurso: “Os trabalhadores de Lagos, num momento em que tantos dos seus camaradas só pensam em revoltar-se contra uma ordem social que tão pouco os tem acarinhado, e que não consegue garantir-lhes o trabalho de que carecem, vêm apelar para o espírito justiceiro de V. Exas. para lhes pedirem se dignem interessar-se pela construção do porto de Lagos, velha aspiração de todo o povo desta terra (…) obras que numa dezena de anos, trariam a maior prosperidade a todo o barlavento algarvio”.
Ao terminar, entregou ao chefe de Estado cópia de uma representação assinada pelas câmaras municipais interessadas na construção do porto e por cerca de três mil algarvios, já anteriormente entregue a governos da I República.
Seguiu-se o discurso do ministro do Comércio Antunes Guimarães, o qual, referindo-se às aspirações de Lagos, disse, também de acordo com “O Século”: “é preciso haver ordem e método para que todas as obras projectadas se realizem, uma a uma, (…) não consentindo o erário, infelizmente, que todas se façam com a urgência requerida”.
Continuando, afirmou: “dum extremo ao outro do Algarve, se vê a obra da Ditadura em portos, estradas, escolas e melhoramentos de pequena monta, embora de grande alcance social, como caminhos vicinais e fontes”.
Quanto ao porto de Lagos, que já se encontrava incluído no programa de realizações do Governo, frisou ser necessário “haver fé patriótica, que não faltem recursos ao erário e que a nação acompanhe, com o seu apoio o esforço do Governo.” A terminar proferiu: “o povo espera do Governo o ressurgimento da Pátria, e o Governo quer a felicidade completa do povo (…)”.
O chefe de Estado condecorou então os dois operários. Vítor da Costa e Silva, serralheiro, 80 anos de idade, presidente da comissão concelhia da União Nacional, velho republicano, serviu o Município de Lagos durante cerca de 36 anos, ocupando os cargos de vereador e presidente da Câmara.
Inicialmente estava-lhe prevista a atribuição da ordem de Mérito Industrial, porém e face à sua biografia, o presidente da República converteu-a ali em Ordem de Cristo.
Por sua vez, José da Costa era natural de Aljezur, 66 anos de idade, agricultor de profissão (podador). A cerimónia de imposição das insígnias, que visava premiar aqueles que davam exemplo de uma vida de trabalho honesto, foi coroada por uma enorme salva de palmas e muitos vivas.
Depois de um breve discurso do ministro da Justiça, a sessão foi encerrada no “meio de uma formidável e prolongada ovação”.
Os visitantes foram então à secretaria do Quartel de Infantaria 15, onde o respetivo comandante, tenente-coronel Júdice de Oliveira, apresentou a oficialidade.
O ministro da Guerra recordou o movimento do 28 de Maio, pondo em destaque a ação nele tida por aquela unidade. Por sua vez o general Óscar Carmona verbalizou “sentir-se bem ali, entre a oficialidade do 15 de Infantaria, que faz parte da Divisão que ele comandou”, tecendo depois “algumas considerações optimistas, sobre a futura situação de Portugal, que se antolha feliz, quer cá dentro, quer lá fora”.
Finda a visita, o presidente da República, ministros e demais comitiva partiram para Sagres, com o objetivo de visitarem o Cabo de S. Vicente e a Fortaleza. O périplo regional caminhava agora para o seu término.
Os lacobrigenses acolheram festivamente a comitiva presidencial, mas foram uníssonos entre elogios à Ditadura Militar lembrar os constrangimentos e a crise em que viviam, apontando como solução a sempre adiada e prometida construção do porto de abrigo, orçada na época em cerca 18.000 contos (90.000 euros em conversão direta, mas provavelmente equivalente a 1,8 milhões de euros atualmente).
(Continua)
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Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional