A visita do Presidente da República Óscar Carmona, em fevereiro de 1932, foi a segunda de um chefe de Estado feita ao Algarve após a implantação da República. Nos tempos em que as ligações à região eram difíceis, o Presidente Carmona visitou as principais localidades e contactou com as forças vivas. Aqui fica mais um capítulo, com o início da visita ao Barlavento algarvio. Já então se falava de crise…
Após visitar o Sotavento algarvio, o Presidente Carmona chegou a Portimão pelas 14h00 de quarta-feira, dia 17 de fevereiro de 1932.
Embora a receção estivesse prevista para as 12h30, o programa foi cumprido na íntegra, iniciando-se com uma cerimónia de boas vindas na Câmara Municipal, seguido de almoço na Praia da Rocha.
A cidade apresentava um aspeto festivo, “estando embandeirada profusamente. Os sinos repicavam e, no porto, faziam-se ouvir as sereias dos vapores, também embandeirados” (O Século).
Tal como noutras terras do Algarve subiram ao ar, de imediato, girândolas de foguetes, enquanto S. Ex.a o presidente da República e demais comitiva (presidente do Ministério, ministros do Comércio, Marinha, Guerra e Justiça, governador civil, etc.), entravam triunfalmente na cidade.
Passada em revista a força de Caçadores 4, que fazia a guarda de honra, o presidente deslocou-se para a Câmara Municipal, por entre “aclamações ininterruptas”.
Segundo “O Século”, a “escadaria dos Paços do Concelho tinha sido atapetada e as crianças das escolas lançavam flores e cantavam o hino nacional”. A sala das sessões onde decorreu a cerimónia de boas vindas “estava repleta”.
O presidente da Comissão Administrativa Municipal, Francisco José Duarte, abriu a sessão saudando o ilustre visitante e após descrever “as belezas da região e a importância da sua indústria, elogiou a ação da Ditadura, afirmando que o Exército salvou a tempo o País”. Palavras coroadas, de acordo com o Diário de Notícias, com palmas e vivas.
O presidente da Câmara referiu-se depois à “grave crise que o concelho atravessa e da falta de trabalho, dizendo esperar que em breve há-de usufruir os benefícios da visita presidencial”.
Por sua vez, o general Carmona “declarou-se encantado e profusamente sensibilizado com a carinhosa recepção que lhe foi dispensada, referindo-se com merecido elogio às belezas da paisagem algarvia. O acolhimento de Portimão demonstrou-lhe como a obra da Ditadura é apreciada pelo povo.”
Afirmou ainda que o povo algarvio “reconhece os serviços prestados pela situação política actual, que muitos consideram tirânica. Era fácil mostrar a falsidade dessa classificação. (…) Felicitou o Município pela sua obra e asseverou que o Governo, dentro das possibilidades do Tesouro, atenderá quanto possa ao Algarve”.
Terminou dizendo que “Portimão é um verdadeiro baluarte do trabalho, e o governo não esquecerá mais esta triunfal jornada”, finalizando com “um viva a Portimão, que foi entusiasticamente correspondido”.
Seguidamente no jardim, onde permaneciam milhares de pessoas, e tal como em outras terras algarvias, o presidente Carmona condecorou com a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial três operários: Gabriel do Santos (80 anos corticeiro, de Silves); José Carmo Nunes (75 anos, carpinteiro de Portimão); e Joaquim da Silva Neves (63 anos, segeiro, de Lagoa), aos quais “abraçou no meio de aplauso da multidão”.
Colocou ainda as insígnias da Ordem da Benemerência no estandarte dos Bombeiros Voluntários de Portimão, abraçando também o seu comandante.
Visita à Praia da Rocha e às Caldas de Monchique
O Chefe de Estado e comitiva dirigiram-se então para a Praia da Rocha, onde no chalé do Sr. Francisco Bívar, se hospedou o presidente e decorreu o almoço.
Em virtude do acontecimento, o Pavilhão Avenida abriu excecionalmente ao público, dado que encerrava durante o inverno, tendo ali decorrido na tarde um chá dançante, durante o qual os ministros e o Presidente foram muito aclamados pela multidão. Estes, segundo o DN, terão ainda visitado nessa tarde as Caldas e Monchique.
À noite decorreu o banquete com grande assistência, entre a qual se viam os operários condecorados.
A guarda de honra era feita pelos bombeiros, e à entrada do presidente da República na sala, uma orquestra executou a «Portuguesa», produzindo-se manifestações de entusiasmo. Iniciou os discursos o presidente da Câmara de Portimão, saudando o chefe de Estado e lamentando que a crise que afetava o concelho não tivesse permitido uma receção mais imponente. Disse esperar que o governo empregasse meiospara debelar a crise, acudindo com medidas adequadas à situação das classes trabalhadoras locais.
Seguiu-se o presidente da Associação Industrial e Comercial de Portimão, João Francisco Leote, o qual, após saudar os visitantes disse, de acordo com “O Século”, que “Portimão é terra de gente ordeira e trabalhadora, onde existe uma indústria de conservas que apesar da grande crise, pode contribuir para o equilíbrio da nossa balança económica”, terminando desejando prosperidades ao presidente Carmona.
«O Algarve esteve esquecido»
Após um breve discurso do governador civil, o ministro do Comércio, em nome do chefe de Estado, disse: “o Algarve esteve esquecido, chegando a parecer que estava desligado do país. Não tinha navegação por causa dos portos assoreados, não tinha estradas. A Ditadura deu-lhe uma estrada e a ponte do Roxo, e vai fazer mais as ligações de barlavento com sotavento, e desenvolver o turismo em Odemira, Aljezur, Vila Real e Mértola.”
Referindo-se à maneira entusiástica como a multidão aclamou o governo, afirmou, segundo o DN, “Quando o povo se manifesta assim é porque um grandioso movimento determina o prólogo de um belo futuro para a Pátria. E acrescentou: – O lema da Ditadura é unicamente fazer o povo feliz”. Finalizou com um brinde ao povo trabalhador do Algarve e ergueu vivas à Pátria e à República.
O jornalista Félix Correia discursou em nome da imprensa, agradecendo as saudações e “afirmando inteira imparcialidade no cumprimento” da sua missão.
Por fim falou o presidente da República,agradecendo as manifestações de que fora alvo por toda a região: “Fora dos protocolos da recepção foi uma sincera parte da população que se afirmou reconhecida pelas obras feitas pela Ditadura. Disse que a situação vai ocupar-se das necessidades dos operários que devem ter mais sol e felicidade. Referindo-se à imprensa, disse que a situação tem recebido ataques injustos e que agradecia aos jornalistas que fazem obra de verdade e de justiça” (DN). Acabou pouco depois com um viva a Portimão e “novamente se ouviram entusiásticos vivas e palmas”, enquanto a orquestra tocava a «Portuguesa».
Após o banquete realizou-se um baile no pavilhão da Praia da Rocha. Toda a povoação estava “profusamente iluminada”.
Crise em 1932, crise em 2013
Os portimonenses receberam com entusiasmo o Presidente Carmona e nem a crise que se vivia os afastou do percurso presidencial.
Volvidos 81 anos, Portimão e o Algarve atravessam uma nova crise económica, mas se, em 1932, a Ditadura Militar se legitimava, com investimento público e condecorações a operários, em suma a “fazer o povo feliz”, hoje é o Regime Democrático que agoniza, em perversa austeridade.
As fábricas de conservas que então contribuíam para eliminar o deficit da balança comercial portuguesa desapareceram, resta-nos, sim, “as belezas do Algarve”.
Mas hoje tal como em 1932, sabemos que o governo “dentro das possibilidades do Tesouro, atenderá quanto possa ao Algarve”. Resta saber se tal não ocorrerá tarde de mais.
Em 18 de fevereiro de 1932, o Presidente da República General Óscar Carmona, ministros e comitiva dirigiram-se pouco depois das 9h00 da manhã, em automóvel para Lagos e Sagres. O périplo regional continuava.
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Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional