E ao fim de 16 dias e 15 noites, a luta de Marilu Santana e dos seus 15 colegas deu resultado. Ontem à tarde foi finalmente assinado um acordo entre o administrador do Clube Praia da Rocha e os trabalhadores, para o pagamento dos salários em atraso.
De acordo com o documento assinado, cujo original ficou depositado nas mãos de Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, que mediou as negociações, até ao dia 15 de Abril será pago um mês do salário em atraso, enquanto «as restantes quantias em atraso» serão pagas até à primeira metade de Junho.
Marilu Santana, que, desde o dia 20 de Março e ao longo de duas semanas, se manteve acorrentada a umas escadas interiores do complexo turístico, exigindo o pagamento de dois meses e meio de salários em atraso, a ela e a 15 dos seus colegas, era esta manhã uma mulher feliz e emocionada.
Vestida com esmero e calçando umas botas de cano e salto alto, distribuía abraços e agradecimentos. «Obrigada pelo vosso apoio, obrigada pela vossa comida, que me sabia a casa», dizia ela a uma colega, uma entre as muitas pessoas que, ao longo dos 16 dias e 15 noites lhe foram levando ajuda e solidariedade, enquanto Marilu se mantinha acorrentada, no seu protesto.
Depois de ontem ao final da tarde ter sido alcançado o acordo, eram já cerca de 23h00 quando a trabalhadora finalmente se libertou das correntes que, durante duas semanas, a mantiveram ligada à luta pelos seus direitos. Mas, ainda assim, Marilu não foi dormir a casa na sua primeira noite de liberdade. «Fiz questão de dormir aqui, com os meus colegas», contou ao Sul Informação. «Eles estiveram aqui ao relento, ao frio, estas noites todas, para eu não ficar sozinha do outro lado do vidro, por isso eu quis passar esta última noite com eles».
«Em pleno século XXI, continuo a acreditar no amor e uma cabana, porque estive numa cabana, mas o amor dos meus colegas e de todas as pessoas que se solidarizaram comigo, alimentou-me durante estes 16 dias», disse ainda.
Na conferência de imprensa, dada na manhã de hoje em conjunto por Marilu Santana, Tiago Jacinto, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, e António Goulart, coordenador da União dos Sindicatos do Algarve, a trabalhadora fez questão de afirmar a sua disponibilidade para ser a «porta voz» de quem se sentir injustiçado. «Desde o médico ao varredor de ruas, quero dar o meu corpo e a minha cara para enfrentar qualquer luta e qualquer patrão».
É que, sublinhou, «quem pensa que não vale a pena lutar, que não se ganha nada, engana-se! Ganhei mais enfrentando esta luta do que perdi. O meu filho já está a trabalhar, mesmo dado a cara por esta luta. E nós conseguimos este acordo. O que é preciso é não desistir».
«Sou hoje uma mulher muito mais rica, não por causa do dinheiro que o patrão me vai pagar, mas em sentimentos e em valores, em solidariedade que vi aqui neste pátio todos os dias».
Tiago Jacinto: no Algarve, a dívida aos trabalhadores hoteleiros ascende a «mais de um milhão de euros»
Tiago Jacinto, do Sindicato dos Trabalhadores Hoteleiros, que acompanhou todo o protesto e participou nas negociações, salientou a «luta corajosa e determinada dos ex-trabalhadores e trabalhadoras do Clube Praia da Rocha», acrescentando que não se tratou «da luta isolada» de uma pessoa, mas de uma «luta coletiva».
O sindicalista acrescentou que «o que se passa aqui no Clube Praia da Rocha é um exemplo do grave problema que afeta cada vez mais os trabalhadores do setor», criticando que, ao mesmo tempo que a indústria do turismo regista recordes sucessivos, «a realidade para quem trabalha seja muito diferente».
Tiago Jacinto revelou também que a dívida aos trabalhadores hoteleiros ascende a «mais de um milhão de euros», estimando o sindicato que o «problema seja bem mais grave», pois tais valores correspondem apenas ao processos acompanhados diretamente pela estrutura sindical.
Por seu lado, António Goulart, coordenador da União dos Sindicatos do Algarve, disse, na conferência de imprensa, que se vive tempos em que «se quer transformar em ato trivial os trabalhadores terem salários em atraso» e isso, defendeu, «não pode ser!»
Goulart criticou a «sensação de impunidade relativamente a incumprimento para com os trabalhadores» que, na sua opinião, o Governo transmite aos empresários, bem como o facto de «parte do patronato achar que não tem responsabilidades sociais e que os direitos dos trabalhadores são coisa de fantasia».
O líder sindicalista considerou que o acordo a que se chegou «é a vitória da denúncia dos salários em atraso, mas também da solidariedade». E avisou: «se o acordo não for cumprido, cá estaremos nós novamente para a luta», declaração que arrancou fortes aplausos da assistência.
E agora, o que vai fazer Marilu? «Já recebi várias propostas de trabalho, mas tenho de pensar e de ponderar. O que eu sei que vou fazer é escrever um livro sobre tudo isto, para servir de exemplo às outras pessoas que sofreram, como eu e os meus colegas, a injustiça dos salários em atraso», disse, em declarações ao Sul Informação.
Mas para já, porque estamos em época de festa, Marilu vai para casa: «já prometi à minha família
que ainda vou fazer uns folares da Páscoa», concluiu, com lágrimas nos olhos e um sorriso aberto.