«É completamente falso que os refugiados estejam a recusar-se a vir para Portugal», garantiu o coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR).
Rui Marques esteve esta terça-feira em Faro, para participar na conferência «Crise dos refugiados: um desafio para a Europa», onde não só denunciou a falsidade de notícias recentes, como considerou «ainda mais grave que os refugiados sejam culpados pela inércia da União Europeia», que, apesar de ter acordado acolher 160 mil pessoas, em Setembro, até agora apenas aceitou 159. «São 159 e não 159 mil!», frisou.
O principal rosto da PAR juntou-se a António Branco, reitor da Universidade do Algarve, e a Elisabete Rodrigues, diretora do Sul Informação, entidades que pertencem à Plataforma e que com ela coorganizaram este debate. Além de dar uma perspetiva bem informada sobre o que é, realmente, a crise dos refugiados, através de Rui Marques, que esteve há poucos dias nos campos de refugiados no Líbano e viveu o drama das pessoas ali retidas, a sessão serviu para sensibilizar para a necessidade de passar a informação correta e factual, sem entrar em alarmismos nem alimentar preconceitos.
Uma das ideias feitas é a de que os países mulçumanos não estão a acolher refugiados da guerra da Síria e de outros conflitos na região. Também aqui, diz Rui Marques, há uma noção profundamente errada, na Europa. «Nós na Europa, estamos muito impressionados com os 700 mil refugiados às nossas portas. Mas, no Líbano, vizinho da Síria, que tem uma população de 4 milhões de habitantes, há um milhão e meio de refugiados a viver em campos, 400 mil dos quais menores», revelou.
Apesar do seu «PIB miserável» e de uma carga histórica que lhes daria razões para rejeitar a população do país vizinho, que ocupou o Líbano até 2005, os libaneses, «de forma notável, acolhem aqueles que até há pouco tempo eram os seus inimigos, porque têm a noção de que são pessoas que estão a fugir da guerra e da destruição».
O êxodo mais recente, para a Europa, está ligado à crescente falta de condições nos campos de refugiados do Líbano, Turquia e Jordânia, que viram a assistência alimentar internacional cortada «em 40 por cento». Isso leva a que muitos tentem chegar à Europa, arriscando a sua vida e a dos seus filhos.
«A Europa impõe um autêntico teste de sobrevivência aos refugiados. Se conseguirem chegar à Europa, têm uma hipótese. Mas, pelo caminho, ficam milhares de pessoas, das quais muitas crianças, mulheres e idosos. Temos de decidir que Europa é que queremos ser: a Europa que salva, ou a que deixa morrer», considerou Rui Marques.
Classificando a forma como a União Europeia está a gerir a crise dos refugiados «um escândalo», o coordenador da PAR defendeu que a demora no processo de acolhimento de refugiados «é uma combinação entre um tampão da burocracia europeia e a falta de vontade política». Considera mesmo que «o projeto europeu se foi transformando num projeto de contabilistas, baseado na aquisição de serviços, em que tudo se resolve com euros» e que «barrar os refugiados é ineficaz, imbecil e profundamente injusto».
Fazer passar esta e outras mensagens, que permitam aos portugueses ultrapassar o medo do desconhecido, é um dos grandes desafios da PAR, admite o seu coordenador. Mas a plataforma conta com dificuldades acrescidas em fazer o seu trabalho desde os atentados de 13 de Novembro em Paris e, mais recentemente, devido às notícias que davam conta de uma eventual recusa de refugiados em vir para Portugal.
Informação que «não podia ser mais falsa», assegurou Rui Marques, pelas mais diversas razões. Desde logo, porque «não é dada aos refugiados a oportunidade de escolher para onde querem ir». «A cada família é proposta uma oportunidade de recolocação e a família pode, naturalmente, optar por aceitá-la ou, como alternativa, ficar no país em que já está», ou seja, Itália, Grécia ou Hungria.
«Será que alguém acredita que, destas 160 mil pessoas, só 159 é que aceitaram a recolocação e as outras não querem seguir para nenhum país da União Europeia?», questionou.
Rui Marques contestou ainda as ideias feitas que circulam sobre os refugiados. Uma delas é «a iníqua confusão que se faz entre refugiados e terroristas». Fez questão de lembrar que os ataques recentes, em França, foram perpetrados por pessoas «que nasceram, cresceram e que, no fundo, foram formados na Europa». Há de resto um fenómeno que considera preocupante, o número de jihadistas europeus que combatem ao lado do Daesh, na Síria.
Segundo o coordenador da PAR, baseado em testemunhos de vítimas, serão cerca de 20 mil esses jihadistas europeus e estão «entre a pior classe», ou seja, a mais violenta, dos membros daquela organização terrorista. Na Síria, as coisas «terão piorado muito» desde que os combatentes europeus começaram a chegar.
Também a generalização, que leva a colar todos os mulçumanos ao terrorismo, é errada e, até, perigosa. Isto porque nos pode levar «à desumanização do outro» e, em última análise, a um choque de civilizações que seria «catastrófico». «Em muitos aspetos, o que está a acontecer, hoje, foi o mesmo que aconteceu nos anos 30, na Alemanha», referindo-se ao processo que culminou com a perseguição dos judeus e a sua aniquilação em massa, pelos Nazis.
Daí que defenda que esta situação deve ser discutida «com frontalidade e serenidade», mas sem nunca «diabolizar posições e atitudes», que são assentes em «receios que são compreensíveis», embora, em muitos casos, infundados. Até porque interessa evitar o extremar de posições.
Esse é um papel que cabe, não só à PAR, mas também à sociedade civil, em geral. Neste campo, tanto a UAlg como o Sul Informação estão disponíveis a fazer o que está ao seu alcance para dar um contributo positivo na resposta à crise dos refugiados.
No caso da Universidade, António Branco não esconde que a sua opinião pessoal é que se deve dar toda a ajuda possível aos refugiados, por uma questão de ética e de humanidade. Já enquanto reitor, considera que «a UAlg tem de dizer presente, sem hesitação, ao apelo premente dos refugiados» e colocar a sua vocação, a educação, ao serviço daqueles que Portugal acolher.
«Podemos começar por ensinar a língua e a cultura, que é a melhor forma de integração. Mas não precisamos de ficar por aqui e podemos proporcionar formação aos que o desejarem», afirmou, lembrando que a UAlg já há muito que está envolvida nesta causa, acolhendo, atualmente, um estudante sírio, que se viu impedido de prosseguir os estudos no seu país dilacerado pela guerra.
Já Elisabete Rodrigues lembrou o papel da Comunicação Social, que «além de informar, também deve formar». Este será um dos casos em que é necessário assumir esta missão pedagógica, «para que todos possam ter uma opinião informada sobre o assunto».
«Desde o início da crise dos refugiados, noto que tem havido algum cuidado, na generalidade dos órgãos de comunicação social, para não incendiar os ânimos, em relação aos refugiados. Mas há exemplos de mau trabalho e, infelizmente, não creio que tenha sido inocente, já que a escolha dos títulos não foi inocente, uma vez que o corpo das peças até explicavam bem a questão», disse Elisabete Rodrigues.
No caso do Algarve, e enquanto jornal regional, a diretora do Sul Informação salientou o trabalho que este órgão tem feito no acompanhamento das várias iniciativas da sociedade civil algarvia para ajudar e acolher os refugiados.
Mas, apesar de algumas até já terem motivado desmentidos, as notícias negativas causam «grande impacto» e levaram a que, desde 13 de Novembro, «a opinião pública esteja muito mais hostil».
Acusações de ingratidão e críticas generalizadas aos refugiados, pelas mais diversas razões, intensificaram-se. Mas, para Rui Marques, há um denominador comum à larga maioria das pessoas que assumem posições militantemente hostis contra os refugiados e aqueles que os pretendem ajudar. «Esta pessoas caracterizam-se pelos três Ns: Nunca fizeram Nada por Ninguém», considerou.