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O fragmento da estela do Viemeiro, encontrada por José Viegas Gregório na década de 60 do século XX nesse local da freguesia de Salir, é, desde ontem, a mais recente peça do Pólo Museológico de Salir, no interior do concelho de Loulé.

A sua apresentação ao grande público culminou a inauguração da exposição de rua sobre a Escrita do Sudoeste, essa ainda não decifrada escrita dos povos que habitaram a serra algarvia e baixo-alentejana na Idade do Ferro, há cerca de 2500 anos, e que chegou aos dias de hoje inscrita em pedras – as estelas.

Achados fortuitos, de início, e trabalho sistemático de arqueólogos, mais recentemente, têm vindo a (re)descobrir estas misteriosas «pedras com letras» que há muito os habitantes serranos conheciam.

A exposição de rua itinerante «Quem nos escreve da Serra», que tem como tema as estelas com escrita do Sudoeste e a Idade do Ferro na serra do Algarve, pode ser vista nas ruas de Salir, junto à escola e até ao Núcleo Museológico, até ao dia 5 de junho. A mostra irá depois ser apresentada na Penina-Benafim (10 de junho a 10 de julho) e terminará no Ameixial (13 de julho a 18 de agosto).

Pedro Barros, um dos arqueólogos do Projeto Estela, revelou ao Sul Informação que pretende ainda «convencer a Câmara de Loulé a depois apresentar esta exposição num jardim da cidade».

A julgar pelo entusiasmo do presidente da Câmara Seruca Emídio, não há de ser difícil convencer a autarquia. O autarca agradeceu todo o trabalho feito pelos arqueólogos do Projeto Estela – além de Pedro Barros, Samuel Melro e Susana Estrela – e pelos técnicos da autarquia e elogiou o facto de o trabalho de investigação puro e duro ser agora mostrado ao grande público.

A exposição itinerante e a primeira apresentação pública da estela do Viemeiro (ou Viameiro, ou Vimeiro, as opiniões sobre o topónimo dividem-se…) tiveram lugar ontem, dia 9 de maio, Quinta-Feira de Espiga e, por isso, dia de grande e animada festa popular em Salir. Foi uma forma de unir o património imaterial da cultura popular ao património arqueológico, no fundo fazendo uma ponte entre milénios de história de um mesmo território.

Devido à música da Festa da Espiga que se ouvia mais abaixo, no largo frente à escola primária, as primeiras explicações do arqueólogo Pedro Barros sobre o primeiro dos seis painéis da exposição de rua mal se conseguiam ouvir. São seis os painéis – sobre os temas «Idade do Ferro», «Escrita do Sudoeste», «A Vida», «A Morte», «Estelas de Benafim/Salir» e «Estelas do Ameixial» – e dão uma boa panorâmica geral sobre o que foi a Escrita do Sudoeste e como viviam os povos que a produziram.

Seruca Emídio, na pequena cerimónia que decorreu no Pólo Museológico de Salir, a culminar o passeio pela exposição ao longo das ruas da vila, sublinhou que a valorização da Escrita do Sudoeste e das estelas que a suportam é «muito importante para complementar o turismo de natureza e cultural que procura esta zona do interior do concelho».

Dália Paulo, diretora regional de Cultura do Algarve, por seu lado, deu os parabéns à Câmara de Loulé e ao Projeto Estela por terem escolhido «este dia de festa popular para mostrar este património que estava escondido». Dália Paula elogiou o trabalho «coerente e consistente» da Câmara de Loulé nas áreas da arqueologia e do património e salientou que «o papel dos arqueólogos é não só a escavação e a investigação, mas eles têm também uma função social, na sua ligação com a população e com o turismo».

Os conteúdos da exposição são sucintos e concentrados na transmissão das ideias principais, num discurso contemporâneo e criativo que satisfaz mais do que um tipo de visitante, ou seja, é transversal nas faixas etárias, no nível de conhecimento e nos graus de interesse.

Assegurou-se ainda que a exposição não tem constrangimentos de acessos e horário, proporcionando ao visitante uma curta duração no tempo de visita. A exposição é bilingue (português e inglês), permitindo uma compreensão dos conteúdos por visitantes além-fronteiras.

A exposição faz parte de uma colaboração da Câmara Municipal de Loulé com o Projeto Estela. Este projeto tem a preocupação de transformar o conhecimento científico adquirido no reforço da identidade das pessoas com o seu património e de criar com esta informação uma paisagem cultural.

 

O que é a Escrita do Sudoeste

A escrita do Sudoeste é a mais antiga manifestação de escrita da Península Ibérica que, ainda hoje, está por decifrar.

Na Península Ibérica, há mais de 2500 anos, numa época de grandes inovações tecnológicas e transformações culturais, os povos do Sul de Portugal e da Andaluzia, a partir do alfabeto fenício vindo do Mediterrâneo Oriental, criaram uma escrita própria da língua falada na região: a escrita do Sudoeste.

Concentrados na serra do Algarve, existem poucos vestígios desta escrita, cerca de cem, e a maioria é encontrado em estelas: blocos de pedra fixados no solo, onde o texto era gravado e escrito em arco, na direção contrária à nossa: de baixo para cima e da direita para a esquerda.

É nesta região que autores da Antiguidade Clássica referem a existência de gente especialmente culta e desenvolvida. Segundo Estrabão (historiador e geógrafo grego do século I d.C.) “possuem uma gramática e escritos de antiga memória, poemas e leis em verso”.

A distribuição espacial das estelas, no atual território português, assinala que a serra de Mú e Caldeirão, entre o Algarve e o Baixo Alentejo, é um dos epicentros deste fenómeno. Aqui, podem ser assinaladas dois conjuntos, um a Sul, na transição da Serra com o Barrocal, entre Benafim e Salir, onde foram encontradas as estelas da Fazenda das Alagoas, Viameiro e Barradas e que com as estelas encontradas em Bensafrim (Lagos) e São Bartolomeu de Messines (Silves) traçam o limite Sul da concentração de estelas com escrita do Sudoeste.

E o outro, a Norte, em torno das Ribeiras do Vascãozinho, Vascanito e do Vascão, confirmando este local com uma das três principais concentrações deste tipo de vestígios epigráficos, que engloba sítios arqueológicos hoje localizados em Loulé e em Almodôvar.

O primeiro fragmento de uma estela com escrita do Sudoeste do Concelho de Loulé foi encontrado em 1897. Mais de uma centena de anos depois, a identificação destes monumentos epigráficos deve-se ao precioso contributo de inúmeros louletanos, investigadores e apaixonados pela arqueologia, como o Prior de Salir, José Rosa Madeira, José Viegas Gregório, Isilda Martins e Victor Borges.

A eles se juntam ainda investigadores como Ataíde de Oliveira, José Leite de Vasconcelos, Manuel Gómez de Sosa, Caetano de Mello Beirão, que contribuíram para a identificação de dez estelas repartidas pelos conjuntos de Benafim/Salir e do Ameixial e para a investigação da escrita do Sudoeste.

Desde 2008, existe o Projeto Estela, que tem por primeiro objetivo a sistematização da informação das estelas com escrita do Sudoeste, através da caracterização dos contextos, da cultura material e do território dos sítios arqueológicos da serra do Algarve e do Alentejo, contribuindo para a revisão e produção de conhecimento sobre a sociedade que aí habitou, nos meados do 1º milénio a.C..

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