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Não é uma exposição, nem um simples ateliê: é um trabalho que se vai construindo, em conjunto, de cada vez que alguém der uma laçada, manejando as agulhas com mãos hábeis, e que há de culminar numa peça para mostrar, um naperon gigante.

A exposição-ateliê «Velho Croché Novo» é uma ideia da jovem designer e artista plástica portimonense Inês Barracha, que está a decorrer no Teatro Municipal de Portimão (Tempo), até 29 de abril. E, por ser um trabalho que se vai construindo, o que hoje se pode ver na sala de exposições do Tempo será, com certeza, diferente do que se pode ver amanhã.

Inês Barracha, de 29 anos, é descendente de uma longa linha de professores e gente ligada às artes e à criatividade. «Os meus pais são professores e são desta área, a minha avó era professora de Lavores, o meu avô paterno, apesar de ser da GNR, era uma pessoa muito criativa», recordou.

Com esta genética, Inês só podia dar em artista. E assim começou por estudar pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, mas depois foi bolseira Erasmus em Hetfield, a Norte de Londres, Inglaterra (2004), e acabou a fazer um mestrado em animação digital 3D na Universidade de Bournemouth, também em terras inglesas. Ficou depois no centro de Londres, onde trabalhou na empresa de pós-produção Lime Ltd, produzindo trabalho em 3D para anúncios transmitidos pela televisão britânica.

«A minha ideia nunca foi ficar por lá. Sou muito ligada à terra, à minha terra. A ideia era ganhar experiência para vir para cá», contou Inês Barracha ao Sul Informação. Às tantas, recorda, deu-lhe «aquela saudade» e só pensou em regressar ao Algarve. «Viemos como verdadeiros emigrantes de regressa à sua terra, com o carro atulhado de coisas».

«O regresso fez-me entender que me interessa valorizar e explorar a cultura portuguesa, as nossas tradições», uma tendência que Inês admite que tem vindo a influenciar muitos artistas nacionais.

Para ganhar a vida e também porque gosta, Inês Barracha é professora de design na Universidade do Algarve, no Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes e na escola etic_algarve, em Portimão.

Este «gosto por Portugal e pelas nossas tradições» levou a jovem artista a começar a delinear um «projeto de investigação que passa por tentar recuperar estas técnicas, como o croché, que passam de geração em geração, mas sobre as quais não há um registo. E são técnicas que correm o risco de desaparecer, nesta sociedade consumista e imediatista, em que não há tempo para nada».

«Queria resgatar isso do passado, ou seja, com o velho fazer novo», acrescentou a criadora em entrevista ao Sul Informação. E é mesmo esse o mote desta exposição-ateliê: «Velho Croché Novo».

«Quero resgatar a tradição, as técnicas, mas também, numa vertente antropológica, qual o espírito das pessoas que fazem croché, o que é que falam quando estão a fazer croché, porque é que fazem, porque é que têm tempo».

 

Todos estão convidados a participar

 

Para esta exposição-ateliê, Inês Barracha conta com a contribuição ativa, em trabalho, de senhoras mais idosas, que têm sido convidadas a participar. Para isso, foram convidadas as juntas de freguesia do concelho de Portimão, as Misericórdias, os Centros de Dia, a Universidade Sénior.

A sala de exposições do Tempo, no rés-do-chão do edifício do teatro, foi decorada com peças antigas que recriam uma sala de estar que podia ser das nossas avós, onde nem sequer faltam os naperons de croché a enfeitar as mesas, os armários e os sofás. Mas, a contrastar, a dar o mote ao tal «Velho Croché Novo», há também elementos de decoração contemporâneos.

Para esta sala aconchegada, Inês Barracha convida então quem quiser fazer croché – e qualquer pessoa pode participar, bastando para isso ir até ao Tempo, de terça-feira a sábado, entre as 14 e as 19 horas, e nos dias dos espetáculos das 14 às 21h30, sem qualquer marcação. «As pessoas podem vir aqui livremente, pegar nos materiais e fazer», garante a artista. O convite não é restrito «nem a mais velhos, nem a mais novas, nem a mulheres, nem a homens», garante. Para começar, Inês reconhece que teve de «lançar um convite mais estereotipado, às senhoras de alguma idade». Mas todos podem participar.

As senhoras sentam-se ali e, entre dois dedos de conversa e um chazinho quente, vão pondo as articulações a funcionar, manuseando as agulhas para fazer as “rosetas” que hão de dar forma à peça final. Em vez das linhas finas que normalmente se usam no croché e porque, como explica Inês Barracha, se pretende dar «dimensão» à peça que vai resultar deste processo, as “fazedoras” usam trapilho, que está ali ao seu lado, em grandes bobines e novelos coloridos.

E então, perguntarão os leitores, no meio de tudo isto, Inês Barracha não faz nada? Faz sim! Para já teve a ideia, o ponto de partida de qualquer processo criativo. Depois, ela própria anda por ali a dar a sua ajuda na feitura da peça, porque também sabe de croché e até tem peças com formas originais por si criadas. Aliás, estão programadas quatro sessões de trabalho com a presença da artista, marcadas para 16 de fevereiro, 1 de março, 15  de março e 29 de março, das 15h30 às 18h00.

Mas, mais importante ainda, Inês tem a seu cargo a tarefa de «balizar, de dar forma, de criar uma unidade a partir dos diversos contributos de todas as participantes, de modo a fazer uma peça única, final».

O que lhe interessa verdadeiramente, confessa a criadora, «é o meio, é o processo» e não «o fim, que será a conclusão, a justificação deste processo». Interessa-lhe «explorar, usufruir, viver», sublinha.

Quanto ao que as suas artífices fazem, Inês explica que não quer limitá-las. A única “baliza” que impôs foi em relação ao formato das peças a criar por cada uma das senhoras: «quero que criem peças redondas para que haja uma unidade e porque, no fim, vamos tentar ligar estas peças numa só, de grandes dimensões, fazendo um naperon gigante».

Esta obra tem uma «particularidade» que Inês Barracha gosta de frisar: é que «cada peça pode ser começada por uma pessoa, continuada por outra e acabada ainda por outra diferente».

 

Um olhar contemporâneo sobre o passado

 

O processo vai continuar até finais de março, o tempo que a artista pensa que será necessário para «construir o material necessário para expor». Uma peça final – ou várias, quem sabe? -, um naperon gigante que será mostrado ao público em abril, coincidindo com a Primavera. Ou não fosse o naperon gigante constituído por imensas rosetas, como flores de várias cores, com as formas concêntricas e orgânicas que de Inês tanto gosta.

Para já, Inês Barracha afirma que não quis «explorar muito a parte concetual: no que é que isto se baseia? Não quero dar um cariz muito artístico. A ideia, para já, é virmos para aqui fazer croché, trocar ideias sobre croché».

Mas, admite, «há uma intenção específica e artística. Numa segunda fase, logo acabarei por explorar e explicar mais o conceito da peça». É que, acrescenta, «quero misturar isto com as peças que faço, ligar com a escultura, com a ilustração, com a pintura…», vai enumerando Inês, para logo admitir: «eu disperso-me um bocadinho por todas estas áreas, não me consigo limitar a uma técnica».

A ideia na base deste projeto de Inês Barracha é «resgatar o passado, mas transformá-lo com um olhar contemporâneo, apresentando-o de outra forma. Não podemos querer viver o passado. Eu valorizo o passado, as tradições, não as quero perder, porque são as nossas raízes, mas tenho plena consciência de que estou a viver o hoje, a usar as técnicas de hoje».

Pessoalmente, Inês diz que gosta de «coisas que comuniquem facilmente com o público, que se tornem emotivas. Gosto de coisas que falem mais alto e acho que conseguimos isto aqui, com a escala deste croché, com as cores utilizadas».

Usando o trapilho, como já se disse, é de facto possível aumentar a escala destas peças em croché. E isso já significa uma transformação da tradição com um olhar, uma abordagem contemporânea.  «Aumentar a escala é, em si, já uma maneira de sair, de extrapolar para além do que é a origem do croché», explica.

 

Revitalizar as tradições e o centro da cidade

 

A artista e as outras criadoras junto da instalação na UCI Al-Vita

Depois de uma primeira experiência na Unidade de Cuidados Continuados Al-Vita, em Portimão, onde Inês Barracha trabalhou no Verão, colocando as senhoras que aí estavam em convalescença a fazer uma espécie de naperon gigante, uma instalação que hoje está pendurada no átrio do edifício, esta será a segunda incursão da artista por este tipo de trabalho. A influência óbvia da artista plástica Joana Vasconcelos é assumida pela jovem criadora portimonense com à vontade, embora não deixando de marcar a sua diferença.

E a diferença está não só no processo e nas pessoas que estão envolvidas na concretização deste naperon gigante, como também no facto de Inês Barracha ter outras preocupações que vão além das “simples” questões artísticas.

Como considera que o centro da cidade de Portimão, onde se situa o Teatro Municipal, «está a morrer» e isso a toca muito porque já viveu aí, Inês quis, também através deste projeto do «Velho Croché Novo», dar o seu contributo para tentar inverter essa situação. «Tenho alguma fé que as coisas voltem a desabrochar, dando valor ao tradicional, aos sítios com conteúdo, às lojinhas de bairro, aos restaurantes pequenos, às pastelarias».

Foi isso mesmo que Inês Barracha fez, com este ateliê-exposição, que conta com o apoio de lojas como A Tralha ou A Casa Velha, da pastelaria A Casa da Isabel, do restaurante Unicórnio, que ficam ali, a dois passos do Teatro Municipal. «A ideia é tentar envolver, é fazer mexer. Se há aqui um canal aberto, pode partilhar-se isto com outros».

Quem havia de imaginar que um ateliê de que um dia há de resultar uma exposição poderia servir para tanta coisa diferente?

sulinformacao

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