Na passada quinta-feira, 18 de Julho, os responsáveis de Detroit apresentaram o pedido de bancarrota desta cidade. Não sendo um caso isolado nos Estados Unidos da América (sete outras cidades já tinham apresentado este pedido no passado e, durante a década de 70 do século passado, Nova Iorque e Cleveland estiveram, também elas, à beira do colapso financeiro), o caso de Detroit destaca-se dos demais, já que esta bancarrota tornou-se a maior neste país no sector público.
A dívida em causa ascende a aproximadamente 14 mil milhões de euros (18,5 biliões de dólares), numa cidade com uma população de 715 mil habitantes e com 360 km2 (o Algarve tem 450 mil habitantes e uma área de 5.400 km2; os municípios portugueses, na sua globalidade, têm uma dívida estimada em 12 mil milhões de euros).
Este é o culminar da história da cidade que, nos anos 60, era a mais rica de todo o país (o rendimento per capita mais elevado dos EUA) e foi berço da indústria automóvel moderna.
Foi em Detroit que Henry Ford deu início à produção do seu modelo T e que espoletou a indústria automóvel norte-americana, um dos motores económicos que catapultou os Estados Unidos para a maior economia do mundo (estatuto que ainda hoje preserva).
No auge deste período, Detroit chegou a ter 1,8 milhões de habitantes, o dobro do que regista atualmente.
Contudo, o panorama de hoje é muito distinto. 60% das crianças vivem em pobreza, 15% da população é analfabeta e tem uma taxa de desemprego de 18%.
Ao nível do parque habitacional, são mais de 78 mil os edifícios vazios, 40% da iluminação pública não funciona, mais de metade dos parques públicos foram sendo progressivamente encerrados a partir de 2008 e o tempo de espera pela presença da polícia ronda os 58 minutos.
As causas associadas a este evento têm sido amplamente discutidas pelos media locais. De entre elas, destacam-se: uma extensa rede de infraestruturas, com custos de manutenção altíssimos, um sistema de pensões e de saúde mal geridos, a contração de empréstimos sucessivos para fazer face à crescente dívida municipal ou a ineficácia dos serviços públicos, com deficiências assinaláveis nos arquivos, com material informático obsoleto.
Uma outra causa amplamente discutida é a NAFTA – North American Free Trade Agreement – acordo assinado em 1994 e que conduziu à entrada da economia americana no mercado livre.
Contudo, estudos indicam que tal acordo redundou na perca de 682.900 postos de trabalho em todo o país, concentrados no setor secundário (indústrias), enquanto o estado do Michigan (Detroit é a maior cidade deste estado) perdeu cerca de 50% dos seus postos de trabalho na indústria.
Uma das figuras que defendeu o NAFTA, Paul Krugman (e que regularmente se pronuncia quanto à Crise das Dívidas Soberanas dos Países Periféricos Europeus), tem sido abertamente criticado pelas posições assumidas na altura.
Em 2009, por duas vezes, a Administração Obama prestou apoio financeiro à indústria automóvel local, mais concretamente à Chrysler e à gigante General Motors (que inclui marcas como a Hummer ou a Opel).
No total foram injetados mais de 60 biliões de dólares, dinheiro que, no final de 2012, se concluiu ser parcialmente irrecuperável.
Agora, Obama decidiu não acudir a Detroit, deixando que a cidade enfrente um plano de recuperação com similitudes com os resgates que Portugal, Grécia e Irlanda ratificaram.
Quais as consequências deste pedido de bancarrota? As negociações estão a decorrer e são diversas as propostas em cima da mesa: acordos com os credores (fala-se da redução de 10 cêntimos por cada dólar em dívida), redução das pensões, racionalização dos gastos públicos. Ninguém sabe ao certo como terminará este processo, mas é unanimemente reconhecido que o pior ainda está por chegar.
Será de todo o interesse acompanhar este processo nos próximos meses, tanto pelos impactes diretos, como pela comparação que se poderá estabelecer com o resgate que a Troika protagonizou em Portugal.
Autor: João Rodrigues é Arquiteto Paisagista