Esta é uma altura do ano em que assume particular relevo a forma como nos relacionamos com o outro. Assistimos à multiplicação de campanhas de solidariedade, que chamam a atenção para os inúmeros problemas que afetam os mais desprotegidos. Desde a pobreza infantil aos sem-abrigo, não faltam chamadas de atenção para as oportunidades que se nos oferecem para sermos solidários.
Melhor seria que não fossem necessárias, mas basta-nos andar na rua todos os dias para percebermos a importância do trabalho que as entidades/associações/voluntários que trabalham na esfera social desempenham para minimizar o sofrimento e o desconforto de tanta gente. Sobretudo aqueles que trabalham o ano inteiro, longe dos holofotes e da visibilidade da comunicação social.
Mas há atualmente um fenómeno de tratamento do sofrimento alheio que discretamente (ou nem tanto) começa a ganhar dimensão.
Nas redes sociais, começou com os “desafios públicos” do balde de água fria ou outros parecidos, em troca de donativos para instituições, ou como forma de dar visibilidade a determinadas problemáticas. De repente, faz-se da solidariedade um espetáculo e anuncia-se aos sete ventos que ajudamos.
Há dias, numa reportagem que assinalava o Dia do Voluntariado, frente a um microfone e a uma câmara de televisão, pessoas alegres relatavam como era “giríssimo” ajudar quem precisa e como se recebe muito mais do que se dá quando se ajuda quem precisa.
Nada disto é novo, mas deixo de perceber se o importante aqui é o outro ou a necessidade de tranquilizar a minha consciência, fazendo saber que cumpri a minha parte.
A propósito de conceitos como caridade, solidariedade e bondade, num capítulo que aborda a temática da esfera pública e privada da ação humana, na sua obra A Condição Humana, refere Hanna Arendt que «a única atividade que Jesus ensinou, por palavras e atos, foi a bondade; e a bondade contém, obviamente, uma certa tendência para evitar ser vista e ouvida. […]. Quando a bondade se mostra abertamente já não é bondade, embora possa ainda ser útil como caridade organizada ou como ato de solidariedade».
Todos são necessários, mas são sobretudo esses que não vejo, nem ouço, que não têm sequer um discurso sobre a pobreza, mas que têm uma ação constante, ainda que invisível, de bondade, que são admiráveis.