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Sul Informação

Um artigo do nada

O artigo que hoje escrevo não tem assunto. É assim que sinto esta narrativa que ainda nem escrevi. É que, às vezes, os assuntos são tantos e as abordagens tão múltiplas, que apetece simplesmente escrever sobre nada.

O nada, de facto, parece ser uma das palavras mais atuais e tem em si uma estrutura gramatical simples, de fácil traquejo, e pode representar um subterfúgio para aqueles que procuram fazer alguma coisa, mas no final, embriagados pelas condicionantes, nada fazem.

Nesse sentido, e porque hoje me integro num grupo de pessoas que, apesar dos pesares, ainda acredita que é possível fazer alguma coisa, vou começar do nada para tentar perceber em que medida o Algarve tem alguns nadas que nos têm assombrado.

Li há algum tempo, aqui no Sul Informação, que David Santos da CCDR assumiu que, no novo QREN para o período 2014 – 2020, o Turismo não será prioridade. Acresce, portanto, aqui pensar em que medida alguma vez foi, porque na ordem de valores que damos às coisas, o próprio conceito de prioridade poderá ser uma falácia e induzir-nos a pensar que foi feita alguma coisa.

Não, não se fez nada. É isso que hoje podemos concluir quando empreendimentos de luxo estão votados ao abandono e ainda se continua a sonhar construir mais e mais, quando todos sabemos que estas edificações são campos de manobras financeiras e não servem para nada.

Há nesta abordagem do nada, uma possibilidade de percebemos que a relação do Turismo com a região poderia ser muito, se a exploração que do conceito se faz tivesse em conta palavras como diversidade cultural e trabalho em rede, valorizando a microescala.

Corro o risco de não conseguir dizer nada com este artigo, no entanto, é isso que sinto quando folheio os jornais e identifico do alto das torres de marfim, os políticos da região a sonharem com a macroescala, provocando um fosso de entendimento entre emissor e recetor de uma mensagem, quando muitas vezes o que queremos valorizar está na subtileza do impacto que o micro pode ter sobre o macro.

Induzido por esta sede de procurar o nada, e ainda no Turismo, encontro um fantasma chamado ALLGARVE. Fácil de constatar que também aqui se trata de um nada, que na sua macroescala investiu muito, vestindo-se a rigor para promover uma cultura de conveniência, de macro pensamento, quase profética, na medida em que, adivinhando o vazio do futuro, deixou de lado o trabalho comunitário e o nada ganhou mais uma vez.

A reboque deste mesmo pensamento, encontro, aqui nas minhas imediações, um espaço do nada, que nos deixa pensar que a poética do vazio é mesmo real.

Situado no coração da cidade, o Centro Cultural de Lagos e a sua nova programação, tem em conta a atualidade e conduz-nos para esse agueiro de fruição artística que nos permite tirar umas férias e não pensar em mais nada: não ver espetáculos que nos façam pensar, não ler, não ver exposições e promover uma cultura acéfala.
Viajando um pouco para a direita e porque de cultura se trata, encontramos a Câmara Municipal de Faro que, valorizando a causa, resolveu desinvestir totalmente no orçamento de programação do Teatro das Figuras.

Trata-se aqui novamente de uma elegia ao nada e como não tem valor, reduz-se, corta-se o mal pela raiz e funde-se administrativamente a empresa Teatro Municipal de Faro para a integrar na estrutura administrativa da Câmara.

Poderia então ser um bom exercício de análise para região, numa altura em que se planeia fazer muito, perceber em que medida, durante décadas, o muito que se fez ficou reduzido a um metafórico nada.

É que a cultura do vazio pode ser bastante útil para muitos, pois, na deriva da catarse e esvaziados os sonhos, a manipulação do investimento fica mais fácil e permite que se continue a pensar nas macro escalas que enchem os egos e articulam El Dorados.

Mas, para mim, que hoje decidi falar do nada, só me ocorrem dois ditados: “Quem muito quer nada tem” e “mais faz quem quer do que quem pode”.

 

Autor: Jorge Rocha é Artista e Produtor independente

 

 

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