Numa era digital de pós-especialistas (ou pós-sábios), a comunicação de Ciência deve assentar mais num modelo de troca de conversa do que propriamente de homilia de registo científico, ou pelo menos algo assim diz parte do artigo abaixo que agora cito:
«The biggest challenge of the digital age for science communication is the shift from the “broadcast” model, where a network or magazine broadcasts information, to a “conversation” model, whereby someone generates information and others comment, share, and add to it. Because anyone can comment, blog, or tweet, the online conversation dilutes expert voices».
A título de parábola, conto parte do meu dia de hoje:
Atrasado e stressado para o comboio, relembrei as horas ao taxista com a seguinte provocação:
“Sabe que está melhor tempo cá por Lisboa do que no Algarve, para onde vou às seis e meia?”
Despertado pela recordação das terras do meu filho, o condutor começou por enumerar as praias algarvias onde já tinha estado; depois as maravilhas de um “Algarve que fiquei a gostar desde a primeira vez que por lá parei e de que não gostava, mesmo sem nunca antes lá ter estado!”
Conversa puxa conversa e praia, pelos vistos, puxa praia, acabámos por chegar às pegadas de dinossauro da Salema. “Nunca vi, nem sabia que existiam, não os dinos, as pegadas”, disse-me o motorista.
Que sim, que o Ciência Viva faz por lá bastantes visitas guiadas, e não se atrase, veja lá o caminho que tenho comboio, e as pegadas são de fácil acesso, publicitava e avisava eu.
Cala-se o homem.
Já fui chato mais uma vez. Já não bastava o médico de onde tinha saído ter-me dito “Você é difícil de aturar… mas pelo menos faz-me rir!”, pensei eu para o silêncio do tipo que agarra o volante.
“Isso da Ciência Viva fez-me lembrar uma coisa”, apontando para o GPS.
Ok, satélites, já sei o que me vais contar.
“Desde que descarreguei a aplicação X para o telemóvel, não passo sem ver o céu; farto-me de ver estrelas…”, assim e assado, que as estrelas duplas não sei o quê, que quer um telescópio e mais não sei o quê das galáxias.
“Venha este sábado ao Centro de Lagos, que vai haver uma observação astronómica”, disse-lhe e o homem contentíssimo só me perguntava:
“Mas posso levar o telemóvel?”
Traga, que depois explica-nos como é que isso funciona e temos lá gente para lhe mostrar o céu até mesmo com os seus olhos, piquei-o eu em jeito de despedida.
A promessa ficou feita – que iria lá estar, pois tinha que ir buscar a filha a Lagos.
Gostava que fosse.
Se vai ou não, essa é outra história de que não sei o final.
O que sei é que há motoristas de táxi, que, com aplicações de telemóvel, vêem o céu sozinhos, mas que estão mortinhos com quem falar, seja de estrelas duplas, ou não sei o quê de Júpiter, de modelos de telescópio, e muito mais, se houvesse tempo e a CP esperasse por mim.
O telemóvel com aplicação prejudica a comunicação/divulgação de Ciência?
Não, antes pelo contrário.
Imprescindível é que não se deixe o motorista a falar para o boneco…ou para o telemóvel, neste caso.
Porque vivo melhor quando um taxista vê e me fala de estrelas, mesmo sendo com a ajuda de um telemóvel.
Ou não?
P.S.– tudo isto se passou, com maior ou menor verosimilhança, no dia 18 de Junho de 2014, em Lisboa, à espera de uma consulta médica e onde li o artigo que acima cito e abaixo refiro.
Referência:
Amy Luers and David Kroodsma (2014), Science Communication in the Post-Expert Digital Age, Eos, Transactions, American Geophysical Union Volume 95, Number 24, 17 June 2014. Eos, 95: 201–208. doi: 10.1002/2014EO24
PDF gratuito aqui.
Autor: Luís Azevedo Rodrigues – Paleontólogo (PhD) – Ciência Ao Natural
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