Inicio hoje uma colaboração regular semanal com o Sul Informação sob a designação genérica de “Crónicas do Sudoeste Peninsular”.
Os temas destas crónicas dizem respeito às questões europeias, à Europa das Eurorregiões e das Eurocidades, aos problemas transfronteiriços e às questões ibéricas e peninsulares, aos problemas de articulação dos eixos atlântico e mediterrânico mas, também, à projeção euroatlântica do sudoeste peninsular, seja no espaço da CPLP ou nas relações mais amplas do espaço transatlântico, e, obviamente, ao enquadramento e à projeção exterior da Região-cidade do Algarve em todos estes espaços de integração e relacionamento.
Como sabemos, delimitar as fronteiras de uma região nos tempos que correm é uma tarefa muito ingrata, pois tudo, ou quase tudo, passa, hoje em dia, por cima das fronteiras, pelo menos no espaço europeu.
Seja como for, precisamos, pelo menos, de limites virtuais para criar uma geografia desejada, um território com identidade e uma comunidade de auto-governo. Será assim, também, com a Grande Região do Sudoeste Peninsular.
Façamos, então, um pequeno exercício de delimitação:
1. Em sentido estrito, a Região do Sudoeste Peninsular é a região que se estende entre a área metropolitana de Lisboa e a área metropolitana de Sevilha, isto é, a região que integra as sub-regiões do Alentejo, Algarve e a Andaluzia Ocidental, se quisermos, um grande corredor que liga as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Sevilha e que tem tudo a beneficiar com a sua integração nestas duas áreas de influência.
2. Em sentido próprio, a Região do Sudoeste Peninsular coincide com a Eurorregião AAA, isto é, a grande região que compreende as regiões do Alentejo, Algarve e Andaluzia, com alargamento, se necessário, para alguns territórios da Extremadura Espanhola; se quisermos, um grande corredor peninsular que liga não apenas as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Sevilha, mas, também, o eixo atlântico ao eixo mediterrânico e o norte da Espanha ao sul da Península Ibérica.
3. Em sentido amplo, a Região do Sudoeste Peninsular é um espaço aberto e articulado que integra as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Sevilha e o corredor de ligação AAA, mas, também, a articulação e projeção ibérica e peninsular para a bacia mediterrânica e a sub-região magrebina, o espaço lusófono e ibero-americano e a relação transatlântica.
Qualquer destas aceções comporta um custo de oportunidade e um retorno diferenciado, não apenas em termos dos recursos utilizados, mas, sobretudo, em termos de prestígio e projeção externos, particularmente nos grandes espaços onde a influência ibérica e peninsular tem um papel fundamental a desempenhar no próximo futuro.
Estou convencido de que, na União Europeia, a cooperação interregional descentralizada será o contraponto necessário e indispensável para moderar os efeitos mais nefastos da transnacionalização das economias. A multiterritorialidade da cooperação transfronteiriça será sempre um fator de distensão.
No final, poderemos, talvez, conceber três tipos de relacionamento peninsular:
a) A europeificação de uma macrorregião peninsular, isto é, um polo peninsular com 65 milhões de habitantes, segundo uma certa conceção de união política europeia de cariz federal, para levar a cabo as redes transeuropeias;
b) A capitalidade das relações peninsulares, ao compasso ritmado e realista das cimeiras ibéricas, de acordo com a lógica estadual e aditiva ainda hoje prevalecente e uma “casuística política pontuada” sob controlo das duas capitais; para lá, evidentemente, da projeção exterior do que poderíamos designar, com alguma reserva, a “iberofonia” peninsular;
c) A cooperação interregional descentralizada, segundo uma lógica plural e diversificada de “agrupamentos europeus de cooperação territorial” (AECT), seja sob a forma de Eurorregiões , de Eurocidades, de redes de cidades temáticas e de uma rede muito alargada de parcerias público-privadas, por exemplo, na área dos parques e centros empresariais.
Em conclusão:
A coabitação dos três tipos de relacionamento peninsular é uma hipótese realista e, ao mesmo tempo, promissora. Neste contexto, a construção de uma Euro-Região do Sudoeste Peninsular é um objetivo de médio e longo prazo, o que não significa que não devamos tomar iniciativas e decisões desde já.
No mundo aberto e competitivo em que vivemos, a constituição de uma nova territorialidade, com atribuições e competências próprias, apresenta-se como uma abordagem extremamente atrativa, no sentido de aglutinação de recursos, coesão territorial, ganhos mútuos de economias de escala e projeção das economias regionais em mercados mais alargados, segundo um compromisso inteligente de competitividade e coesão.
Não obstante os constrangimentos, as dificuldades e a assimetria institucional existente, julgamos, finalmente, que a Euro-Região do Sudoeste Peninsular se justifica por três ordens de razões:
– As redes transeuropeias, as acessibilidades, os transportes de alta velocidade e as plataformas logísticas aproximam os territórios e as suas áreas de influência e criarão, tarde ou cedo, novas funcionalidades e centralidades territoriais que induzirão novos polos e redes de conhecimento e iniciativa; as redes urbanas e regionais serão uma prioridade da próxima geração dos fundos estruturais europeus e essa circunstância “obrigará” à constituição de novas entidades territoriais; genericamente, temos motivos para pensar que a introdução gradual das Redes Transeuropeias e a sua inegável capacidade para criar novas funcionalidades territoriais, através da redução apreciável do “Custo Generalizado”, constituirá um contributo importante para a constituição gradual da “Euro-Região”, atendendo igualmente ao facto de atividades como o turismo se apresentarem “intensivas em viagens”;
– A geopolítica e a geoestratégia também contribuirão, a seu modo, para a constituição de uma Euro-Região do Sudoeste Peninsular, seja pela projeção no espaço do mediterrâneo ocidental, latino-americano ou ibero-africano; à projeção externa desse esforço deverá corresponder sempre idêntico esforço de projeção interna;
– O aprofundamento das dinâmicas político-institucionais e empresariais entre cidades e regiões é imparável; os estatutos político-regionais serão tanto mais reivindicados quanto mais o Estado se revelar impotente para promover o desenvolvimento equilibrado e a coesão interregional; no quadro do mercado único e da união económica e monetária da União Europeia, as cidades e as regiões desejarão ter a sua própria “política externa”, em primeira instância com as cidades e regiões vizinhas e os mercados de proximidade; nesta medida, a Europa das Regiões e a cooperação territorial descentralizada são imparáveis;
Finalmente, no plano simbólico, é necessário tomar alguma decisão emblemática que marque o início desta “grande aventura” do sudoeste peninsular; julgamos que a criação da “Universidade do Sudoeste Peninsular”, sob o alto patrocínio da União Europeia e na forma de um “agrupamento europeu de cooperação” poderia ser considerada com interesse geoestratégico no espaço do mediterrâneo ocidental, na comunidade dos países de lingua oficial portuguesa e, em geral, no espaço ibero-americano como vector, digamos, de projeção da “iberofonia” peninsular no mundo de cultura latina. E por que não?
Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas