2018 será essencialmente um ano pré-eleitoral e, nessa medida, será um ano de transição, um compasso de espera, com um ou outro sobressalto aqui e acolá.
Em 2019, há eleições para o Parlamento Europeu, é escolhida outra Comissão Europeia e nomeado outro Presidente para o BCE. No plano interno, há eleições legislativas para a Assembleia da República.
Até lá, importa não cometer grandes erros, para não oferecer trunfos ao adversário. Assim, os meus votos para 2018 são os seguintes:
2018 no plano internacional
– Faço votos para que a presidência americana tenha uma epifania e seja tomada pelo bom senso, em abono paz e da ordem internacionais.
– Faço votos para que a proliferação nuclear não volte à ordem do dia e que as relações com a Coreia do Norte e o acordo com o Irão nesta matéria regressem à moderação e à normalidade.
– Faço votos para que o conflito israelo-palestiniano não recomece com uma nova intifada, como retaliação ao anúncio de Jerusalém capital do Estado de Israel.
– Faço votos para que o conflito Irão-Arábia Saudita não alastre por todo o Médio Oriente como consequência da tensão crescente entre xiitas e sunitas.
– Faço votos para que o terrorismo internacional não alastre pela fronteira europeia como consequência das brechas abertas num número crescente de estados falhados.
– Faço votos para que o cibercrime não cause grandes danos e que um qualquer acordo internacional seja possível de obter nesta matéria.
– Faço votos para que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia tenha uma evolução positiva em 2018, o que na circunstância significa dizer que não acontecem novas anexações.
– Faço votos para que a crise das Nações Unidas seja contida e que o multilateralismo seja preservado desta vaga de nacionalismo.
– Faço votos para que, em matéria de alterações climáticas, sejam respeitados os acordos internacionais e tomadas medidas emblemáticas de adaptação e mitigação.
– Faço votos para que a situação política no Brasil, Venezuela, Angola e África do Sul não se agrave e não tenha repercussões desagradáveis para os emigrantes portugueses.
2018 no plano europeu
– Faço votos para que o ciclo virtuoso de crescimento económico na União Europeia se mantenha em 2018.
– Faço votos para que o novo governo alemão e o diretório franco-alemão retomem o caminho do reformismo europeu em nome e benefício dos cidadãos europeus.
– Faço votos para que o nacionalismo e o populismo na Europa sejam derrotados por um novo impulso democrático das instituições e da economia europeias.
– Faço votos para que as próximas eleições italianas de março de 2018 não sejam o início de mais um surto de nacionalismo europeu, agora num grande país fundador.
– Faço votos para que as negociações do Brexit decorram normalmente e que o processo negocial não seja capturado pelas dinâmicas eleitorais mais radicais.
– Faço votos para que a política de compra de dívida do BCE seja prosseguida com muita moderação e tendo em conta o comportamento das taxas de juro nos mercados.
– Faço votos para que não se aprofunde o abismo extra-territorial da União Europeia e que a criminalidade financeira seja combatida por uma procuradoria criada para o efeito.
– Faço votos para que o mercado único digital na União seja uma realidade e que se regule no plano fiscal o comportamento dos grandes conglomerados tecnológicos.
– Faço votos para que a cooperação estruturada permanente na área da defesa e segurança seja uma realidade em 2018.
– Faço votos para que um mecanismo europeu na área dos grandes riscos (alterações climáticas) seja uma realidade em 2018.
2018 no plano nacional
– Faço votos para que o ciclo virtuoso de crescimento económico se mantenha em 2018 e que um pouco mais de inflação reduza o peso da dívida pública no PIB.
– Faço votos para que seja possível repôr os níveis de qualidade dos serviços públicos prestados em praticamente todas as áreas da governação.
– Faço votos para que seja realizada uma reforma efetiva da floresta e uma política integrada de desenvolvimento do mundo rural.
– Faço votos para que seja possível uma reforma das instituições políticas e reposta tão rapidamente quanto possível a reputação dos atores políticos.
– Faço votos para que seja possível uma nova atitude face ao ambiente tendo em vista uma resposta consistente às alterações climáticas.
– Faço votos para que no plano ibérico seja possível levar a cabo uma política comum de recursos hídricos e evitar uma guerra da água.
– Faço votos para que em matéria de mercado digital seja possível começar a estruturar o pós-Web Summit em 2018, em especial o mercado de trabalho nesta área.
– Faço votos para que a relação com Angola e Moçambique regresse à normalidade e que a diplomacia resolva os casos mais difíceis.
– Faço votos para que seja possível uma política mais imaginativa de coesão territorial, em especial a smartificação das redes de cidades médias e pequenas do interior.
– Faço votos para que seja possível regular a turistificação do país e que os seus efeitos externos mais negativos sejam convertidos em benefícios das populações residentes.
2018 no plano regional
– Faço votos para que os principais atores regionais – Universidade, Amal, Nera, CCDR – estabeleçam uma plataforma de diálogo estratégico para a década de 2020-2030.
– Faço votos para que a cooperação transfronteiriça seja mais efetiva e que se materialize a ligação ferroviária até Huelva no quadro da Euro-região dos AAA.
– Faço votos para que a bolha turística seja regulada e contida nos seus efeitos mais perniciosos sobre o alojamento, o património e os recursos naturais.
– Faço votos para que seja criado o centro de estudos da dieta mediterrânica com sede em Tavira.
– Faço votos para que seja criada uma plataforma colaborativa, tendo em vista a criação da Start-up Algarve.
– Faço votos para que seja criado um “programa de economia verde e circular”, tendo em vista a prevenção e gestão das alterações climáticas.
– Faço votos para que seja criado um programa ambicioso ligado à “sociedade sénior e ao envelhecimento ativo” para melhorar a qualidade de vida dos algarvios mais idosos.
– Faço votos para que seja concebida uma plataforma interuniversitária de ensino e investigação, no quadro da Euro-região AAA, para o espaço latino-americano.
– Faço votos para que os recursos naturais (água em primeiro lugar), as áreas de paisagem protegida e os serviços ecossistémicos sejam objeto de uma política exemplar no Algarve.
– Faço votos para que o barrocal-serra seja objeto de uma intervenção exemplar no quadro dos novos instrumentos de política florestal e desenvolvimento rural.
2018: os cisnes negros
Em primeiro lugar, as guerras da água com os nossos vizinhos espanhóis.
Em segundo lugar, um afluxo inusitado de imigrantes e refugiados do Magrebe Ocidental.
Em terceiro lugar, um conflito de jurisdição territorial por causa de Gibraltar.
Em quarto lugar, um conflito nuclear entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos.
Em quinto lugar, um conflito aberto entre o Irão e a Arábia Saudita.
Em sexto lugar, uma subida exponencial do preço do petróleo e taxas de juro.
Em sétimo lugar, novos “brexit” na União Europeia e um refluxo securitário.
Em oitavo lugar, um incidente grave em matéria de cibersegurança (nuclear).
Em nono lugar, a explosão das bolhas turísticas devido a um refluxo securitário.
Em décimo lugar, um conflito diplomático peninsular por causa da Catalunha.
Os meus votos finais
Não temos no Algarve, doutrina, pensamento específico e muito menos um sistema operativo próprio que nos permita ter algum controlo sobre o processo de internacionalização, os seus incontáveis riscos e a prevenção das nossas inúmeras vulnerabilidades.
Com efeito, não temos na região do Algarve os instrumentos modernos que permitem operar o upgrading internacional:
– Não temos diplomacia económica própria nem um operador nessa área,
– Não temos um fundo de investimento de capitais próprios,
– Não temos uma sociedade de desenvolvimento regional,
– Não temos um banco de investimento,
– Não temos uma plataforma de financiamento participativo,
– Não temos business angels acreditados,
– Não temos uma incubadora de start-up reputada,
– Não temos espaços de coworking dignos desse nome,
– Não temos laboratórios colaborativos dignos desse nome,
– Não temos auto-governo e auto-regulação dignos desse nome.
Esquecemos demasiadas vezes que o localismo e o centralismo são as duas faces da mesma moeda e que essa característica estrutural é a maior armadilha que armámos a nós próprios.
O centralismo precisa da dependência crónica do localismo para se legitimar e acomodar o seu sistema clientelar, o localismo precisa de cobrar os seus “direitos de transferência” ao poder central para cumprir as suas funções de soberania local. Os dois poderes estão perfeitamente encaixados um no outro.
O sistema político-administrativo em vigor serve esta domesticidade muito genuína e muito portuguesa. Por isso, também, a estigmatização da regionalização, entendida como um terceiro sistema clientelar que “apenas visa” disputar recursos já muito limitados.
De facto, não podemos pensar problemas novos com conceitos velhos. A internacionalização de uma região no contexto peninsular, europeu e internacional é um problema novo que não pode ser equacionado em termos meramente político-administrativos. Esse é o conceito e o preconceito de outrora.
Hoje a internacionalização de uma região tem de ser pensada em termos de “sistema operativo”, a partir de uma plataforma colaborativa entre os seus atores-principais. A administração é um instrumento deste sistema operativo.
Se, ao contrário, a administração é o ator-principal, então, pura e simplesmente, a região é um autêntico bluff.
Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas