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Sul Informação

Crónicas do Sudoeste Peninsular (XII): Regionalização administrativa e desenvolvimento local (1)

No passado dia 5 de Novembro, proferi, na Biblioteca Pública de Faro, uma palestra sobre Regionalização Administrativa e desenvolvimento local”, a convite da associação cívica CIVIS. Trago ao conhecimento dos leitores os tópicos principais dessa palestra e da discussão que se seguiu (1ª parte).

 

1. A primeira nota

O assunto que aqui nos traz não é tarefa fácil e muita coisa aconteceu nos últimos 20 anos desde o referendo de 1998 sobre a regionalização administrativa. A história acelerou e, nessa medida, mudar de opinião é ainda, segundo julgo, um ato de inteligência.

Fui à procura de algum escrito meu antes do referendo e descobri este folheto de 1998. É uma separata de uma revista de administração local e o artigo chama-se “Integração Europeia e Regionalização Administrativa”.

Eu nunca – e esta é a primeira nota que vos queria deixar – separei os dois temas, a integração europeia e a regionalização administrativa.

Aliás, no meu último livro sobre questões europeias, intitulado “A Contingência Europeia”, essa relação está também presente. Falo, em especial, da governação multiníveis ou, se quiserem, da contribuição dos vários níveis de governo e administração para a resolução de um problema.

Neste particular, refiro-me à Europa das Regiões, às Euro-regiões e Euro-cidades, temas interessantíssimos que eu considero serem parte da solução no futuro próximo.

Fui ler novamente este artigo de 1998 e devo ,com toda a sinceridade, que, mantendo embora a mesma posição, tenho muito mais dúvidas do que antes, apesar de continuar a achar, como diz o Álvaro Café, que cometemos um crime de lesa-pátria porque há uma inconstitucionalidade por omissão que dura há muitos anos.

Com efeito, já se fizeram sete ou oito revisões da Constituição e ninguém teve a coragem de retirar de lá o dispositivo jurídico sobre a regionalização administrativa.

A inconstitucionalidade por omissão continua em 2016 e, alegremente, até já temos um sucedâneo para a regionalização administrativa, as comunidades intermunicipais, uma criação sub-regional que vai gerar muita cacofonia territorial, muito ruído de fundo e alguns equívocos pelo meio.

Como o movimento do associativismo municipalista não gosta da regionalização administrativa e prefere um sucedâneo suave, um português suave, criou as comunidades intermunicipais.

Trata-se de uma espécie de casamento de conveniência que os municípios fizeram entre si. Vamos ver se se trata de um sucedâneo eficaz. Esta é, portanto, a primeira nota que eu vos quero deixar. Mais à frente volto a ela.

 

2. A segunda nota

Eu costumo dizer que o modo de olhar para um problema é o problema ou é uma parte importante do problema.

Por exemplo, quando o arquiteto Ribeiro Telles olha para o problema da regionalização, ele vê 25 regiões naturais. Quando o Dr. Álvaro Café olha para o problema da regionalização, o que ele vê são limites e limitações jurídico-administrativas, jurisdições fixas, atribuições de competências, conflitos jurisdicionais, etc. Tudo isto faz parte da chamada segurança jurídica e é compreensível.

Há vinte anos, tudo isso era verdadeiro: os limites, as fronteiras, o stock de atribuições e competências, as jurisdições de geometria fixa.

Todavia, vinte anos, o problema já não é o ponto de partida. O problema é o ponto de chegada e, hoje em dia, com a chegada do fator imaterial ou fator i, em consequência das novas tecnologias da informação e da comunicação e a expansão da cultura digital e virtual, tudo ou quase tudo passa por cima dos limites e das fronteiras. Passamos da estrutura e do stock para a rede e o fluxo. É a desmaterialização promovida pelo fator i.

Reparem bem a coincidência: internet começa por um i, informação começa por um i, inteligência começa por um i, inovação começa por um i, imaginação começa por um i, invenção começa por um i, intuição começa por i, investigação começa por um i. Bom, é certo, imbecil também começa por um i, idiota também começa por um i.

O que é que isto quer dizer? Doravante, os sinais distintivos de uma região já não são apenas os seus recursos materiais, mas são, igualmente, os sinais imateriais que aí estão presentes, os seus ícones, o seu valor imaterial, a sua iconografia.

Doravante, a cadeia de valor de uma região está relacionada com os fatores intangíveis e imateriais que passam facilmente por cima das fronteiras e dos limites territoriais.

Assim sendo, que devemos nós fazer para apreender esta nova realidade? Quando falamos em regionalização, nesta perspetiva mais virtual, estou a falar mais em regionalização multifuncional do que em regionalização administrativa.

Ou seja, estou a pensar mais em interconexão, em interrelação, em interdependência, em interação, tudo com (i), do que propriamente num território bem delimitado, com uma fronteira, com uma hierarquia, com poder vertical.

Nesta exata medida, o poder é muito mais lateral. Esta é também uma grande oportunidade se os territórios souberem cooperar e colaborar entre si.

 

3. A terceira nota

Fator (i) e poder lateral, esta é a minha esperança, uma verdadeira promessa, apesar de o caminho ser ainda longo. O Álvaro Café há pouco dizia autarquia – não gosto da palavra autarquia. Ele dizia autarquia regional, eu não gosto da expressão autarquia regional. Faz-me lembrar autarcia regional e poder vertical.

De resto, ninguém fala em autarquia regional. Hoje ouve-se falar em união de freguesias, em associativismo, em comunidade intermunicipal e nas comunidades de rede, aqueles a que eu chamo os territórios de rede. Estão a ver as expressões? União, associação, comunidade e rede. Isto é o futuro da regionalização.

Estamos em 2016. É um ano interessante, um ano muito curioso. Estamos a comemorar os quarenta anos da Constituição da República Portuguesa. Em 2016, comemoramos, também, trinta anos de integração europeia. E em 2016 comemoramos, ainda, vinte anos de CPLP. É uma coincidência com um elevado significado simbólico.

Agora, porque é que eu trago tudo isto à colação? Porque estas três entidades – Portugal, União Europeia, CPLP – são três exemplos de regionalização muito diferentes.

São outras fórmulas, outros formatos, internacionais e transfronteiriços, que têm muito a ver com regionalização, digamos, cosmopolita.

O Noroeste Peninsular, o chamado eixo atlântico do Noroeste Peninsular lá em cima, juntando a Galiza e o norte de Portugal, é, também, regionalização. Se criarmos aqui (sul da península) a Euro-região dos três AAA (Alentejo, Algarve e Andaluzia), –  aliás ela já existe formalmente -, isso é, também, uma forma de regionalização.

Não é uma região administrativa clássica, convencional, jurídica, no sentido tradicional, são novas fórmulas e novos formatos de regionalização. Quando escrevi sobre regionalização administrativa, eu dizia, em 1998, que era relativamente simples, naquela altura, criar-se a regionalização administrativa.

Porquê? Porque o Estado português detinha, na sua quase totalidade, os poderes soberanos para a constituir, ou seja, o país era relativamente fechado, a fronteira protegia, digamos assim, a criação das próprias regiões.

O Estado português tinha na sua posse, na sua mão, os instrumentos de política para fazer funcionar as regiões administrativas. Mas, vinte anos depois, esse Estado soberano português já não existe.

 

(continua na próxima quinta-feira)

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

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