Em regra, as regiões organizam-se verticalmente e de cima para baixo, hierarquicamente. Nestes termos, somos, em essência, cidadãos obedientes e bem comportados, com uma participação responsável sempre que a democracia representativa nos convoca. Mas as regiões podem agora, em plena sociedade digital e algorítmica, ser organizadas de outro modo, um modo mais lateral, colaborativo, cooperativo, comunitário, de uma forma que alguns autores já denominam de “Sociedade CO”.
Na sociedade digital em que vivemos, estamos, já há alguns anos, perante uma verdadeira bifurcação, outros dirão uma grande ilusão.
De um lado, temos empresas de base tecnológica que caminham vigorosamente em direção ao hipercapitalismo, extraindo proveito e lucros extraordinários da economia das redes digitais, de outro, temos empresas de base tecnológica, seguramente mais modestas, que fazem um caminho muito meritório em direção à economia da partilha de recursos ociosos, à economia dos bens comuns, à economia social e solidária, à economia de base cooperativa e mutualista, isto é, a uma diversidade de modos colaborativos de organizar a sociedade local e regional, porém, numa base muito mais aberta, extensa e cosmopolita do que até aqui.
Quer dizer, podemos olhar para a economia regional do Algarve e visualizar uma rede capilar de relações sociais e empresariais, no interior da qual os diferentes segmentos da economia algarvia coabitam entre si e em estreita colaboração com a economia mais convencional de mercado, emprego e salário.
Assim, poderemos ter ou visualizar, no futuro próximo, uma economia regional composta do seguinte modo:
– Em primeiro lugar, uma economia de mercado de bens e serviços, organizada no modo mais convencional de “economia do emprego e do salário”, o segmento ainda dominante,
– Em segundo lugar, uma economia da partilha (sharing economy) e troca de recursos ociosos e subutilizados, que pode gerar um suplemento de rendimento para as famílias participantes; o Algarve pode ter a sua própria plataforma colaborativa para este efeito,
– Em terceiro lugar, uma economia circular que vise organizar a participação dos cidadãos num programa 4R, de redução, reciclagem, reutilização e reparação de recursos residuais, e que pode gerar, também, um suplemento de rendimento para os participantes; o Algarve pode ter, igualmente, a sua própria plataforma colaborativa para este efeito,
– Em quarto lugar, uma economia on-demand para os trabalhadores independentes e os free lancers, que se inscrevem numa plataforma tecnológica para o efeito e obtêm um rendimento pela sua prestação de serviço; também aqui pode ser criada uma plataforma colaborativa,
– Em quinto lugar, uma economia cooperativa e/ou de grupo, por exemplo, nas atividades criativas, artísticas e culturais e que, por via de uma plataforma colaborativa, pode gerir o trabalho intermitente destas atividades, bem como as residências artísticas e culturais criadas para o efeito,
– Por último, uma economia social e solidária pode funcionar, igualmente, através de uma plataforma para a gestão dos bancos solidários e do tempo do trabalho voluntário.
Estes diferentes segmentos ou modalidades de organizar a economia regional ajudam-nos muito a perceber e estruturar duas orientações fundamentais que serão decisivas para a política regional do próximo futuro:
– Em primeiro lugar, o lugar destacado de uma plataforma colaborativa regional como “entidade reguladora” dos diferentes segmentos da economia algarvia.
De facto, a plataforma regional irá ajudar-nos a organizar as relações com a economia de mercado, do emprego e do salário, ainda dominante, mas que, devido à sua crescente sazonalidade e fracionamento, nos conduzirá rapidamente à pluriatividade e ao plurirrendimento; ora, justamente, o instrumento “plataforma colaborativa regional” pode pôr alguma ordem nestes fluxos e ajudar a regular as duas economias, a economia do emprego (o salário) e as várias economias complementares (rendimentos de outras atividades);
– Em segundo lugar, a plataforma colaborativa regional como “agente patrocinador” de novas iniciativas colaborativas e empresariais.
A plataforma pode ajudar-nos proativamente a promover e a patrocinar empresarialmente novas iniciativas na região, não apenas administrando serviços partilhados e algumas infraestruturas de carácter colaborativo, mas, também, patrocinando instrumentos de gestão e financiamento participativos e estabelecendo as pontes necessárias com outras redes colaborativas europeias que se movimentam nas mesmas esferas de atuação.
Notas Finais
Em síntese, a plataforma colaborativa regional do “Algarve Sharing” pode ser muito importante em diversas iniciativas com manifesta utilidade para a economia da região.
Por exemplo, na gestão coletiva de mercados de ocasião, de bolsas regionais, de marcas coletivas, de bens comuns regionais, de agriculturas de grupo e mercados de nicho, de contratos de institutional food, de bancos do tempo, de redes energéticas de microgeração, de circuitos curtos de comercialização, de uma rede de microcrédito regional, de moedas sociais e complementares, do financiamento participativo, de espaços de co-working, de residências científicas, artísticas e culturais, entre outros exemplos, sempre numa lógica inter-pares P2P (peer to peer), de comunhão e partilha de interesses comuns com a sociedade civil algarvia.
Agora que foi constituída a Eurorregião AAA (Alentejo, Algarve, Andaluzia), esta é também uma excelente oportunidade para relançar a cooperação transfronteiriça numa base colaborativa e partilhada. A plataforma colaborativa regional pode, obviamente, alargar-se ao território da Eurorregião.
A organização de um mercado de trabalho regional que seja dinâmico e atrativo será um dos fatores críticos do Algarve no próximo futuro.
Nesta matéria, a região está, como sabemos, cada vez mais à mercê do mercado turístico e da sua sazonalidade.
Como dissemos, o “trabalho útil” não se esgota no mercado do “emprego convencional”, todavia, esta capacidade disponível não tem aparentemente resposta no quadro de atuação das instituições regionais tal como as conhecemos hoje.
Não obstante, a sazonalidade do mercado de trabalho regional pode ser, também, uma oportunidade para suscitar o interesse pelas atividades colaborativas da sharing economy.
Neste sentido, e apesar de observarem um défice de imaginação em matéria de representação e participação políticas, nada impede os cidadãos algarvios de se organizarem, de modo inovador, em torno de estruturas cooperativas e colaborativas de pluriatividade e plurirrendimento, tendo em vista produzir novas formas de inteligência coletiva territorial .
Em plena era digital, no tempo das plataformas tecnológicas, das apps e das start-ups, estamos obrigados a dar provas concretas dessa inteligência coletiva territorial.
Alguns países europeus dão-nos bons exemplos nesta matéria. Avancemos, pois.
No início de 2017, fica aqui a sugestão para todas as organizações da sociedade civil algarvia. Por que não uma Plataforma Colaborativa para o Algarve? Pela sua importância, voltaremos ao assunto.
Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas