Neste último artigo de opinião sobre a reforma do poder autárquico, trago umas breves reflexões em volta das comunidades intermunicipais e da próxima geração de políticas do território.
I. A oportunidade das comunidades intermunicipais
O país constituiu muito recentemente 23 comunidades intermunicipais (CIM), a maioria delas coincidente com as NUTS III (sub-regiões das NUTS II); trata-se de um nível de programação, planeamento e implementação de políticas do território muito relevante para reconsiderar todo o sistema de desenvolvimento regional, local e rural do país.
Basta recordar, a propósito, que o país tem praticamente em cada capital de distrito um instituto politécnico ou uma universidade, cujas áreas de influência e ação abrangem as CIM e as NUTS III, e que todas estas instituições precisam urgentemente de refrescar e renovar a sua missão e ganhar um suplemento de legitimação num tempo histórico de grande exigência para o país.
Acresce que, no mesmo âmbito territorial, o país tem associações empresariais, parques industriais e grupos empresariais que precisam urgentemente de fazer a sua prova de vida, de se recapitalizar e rejuvenescer e demonstrar que não são meros simulacros, mas verdadeiros projetos empresariais.
A triangulação entre estas três entidades – as comunidades intermunicipais, os institutos politécnicos e universidades e as associações empresariais – poderia dar origem e estar na base de “um pacto ou convenção de desenvolvimento territorial” para o nível NUTS III/ CIM”, com o objetivo de comprometer as três entidades num projeto de desenvolvimento regional para o atual período de programação, que termina em 2020 e o próximo até 2026.
Esta convenção de desenvolvimento territorial para o nível NUTS III/CIM seria concebida e praticada no interior do programa de desenvolvimento regional da NUTS II e só nesse contexto encontraria justificação suficiente.
De resto, e no quadro de uma filosofia política de contratos de desenvolvimento territorial, o governo central “seria convidado” a apresentar uma proposta de reforma da administração regional e local, sob a forma de uma lei-quadro da descentralização político-administrativa, onde o nível NUTS II seria constituído como a sede apropriada para uma nova racionalidade e inteligência territoriais, em especial, naquilo que são hoje as missões e as funções das comissões de coordenação e desenvolvimento regional e, bem assim, dos serviços regionais em geral, no sentido da formação de um executivo regional com um mandato que poderia ser expresso, por exemplo, através de uma resolução do conselho de ministros após parecer favorável do Conselho Regional para o efeito.
Nesta sequência, um contrato assinado com a administração central firmaria os termos da convenção de desenvolvimento territorial; para dar corpo ao projeto seria utilizado o instrumento ITI (investimento territorial integrado), tal como está previsto nos normativos para este período de programação.
Para levar a cabo o projeto de desenvolvimento e a implementação do ITI, seria criada uma “governança dedicada” com base nos três principais parceiros promotores e, para esse efeito, criado um ator-rede capaz de dar corpo a uma estrutura de missão dotada de competências executivas no território da CIM/NUTS III.
No mesmo contrato de desenvolvimento territorial, ficariam os três promotores principais obrigados à apresentação de uma proposta de reforma da administração multilocal da CIM que considerasse não apenas uma nova estrutura de utilities para o território-rede em construção como uma institucionalidade adaptada ao projeto de desenvolvimento em ordem à formação de novos bens comuns territoriais.
Finalmente, no âmbito desta filosofia de contratos de desenvolvimento para territórios-rede de nível NUTS III/CIM, o governo central proporia um quadro legal e financeiro de incentivos adequado à construção desta administração dedicada e à formação de redes de cooperação e extensão empresariais atendendo ao universo de microempresas que constituem o tecido empresarial do interior do país.
II. A próxima geração de políticas do território
Neste último tópico, gostaria de deixar uma última reflexão a propósito do que eu entendo ser a próxima geração de políticas do território.
Nas próximas décadas viveremos, muito provavelmente, em “territórios múltiplos”, uns mais materiais, outros mais virtuais.
Por causa dessa multiterritorialidade, faz sentido a pergunta: como vamos ocupar, doravante, o “nosso retângulo”, respeitando a ideia virtuosa de nação como ocupação harmoniosa do território?
Importa dizer que, sobretudo nesta última década (2007-2017), a opção europeia colocou este modesto retângulo a viver uma espécie de dilema do prisioneiro. A União Europeia ofereceu-nos o “pau e a cenoura” de que, infelizmente, tanto precisamos, mas não conseguimos acertar na dose apropriada entre política de conjuntura e reformas estruturais, de tal modo que tenhamos um crescimento potencial verdadeiramente sustentável à nossa frente e durante muitos anos.
A contingência em que vivemos por causa dos níveis de dívida, pública e privada, de crédito malparado e de perspetiva de rating põe em causa os nossos já tão limitados graus de liberdade.
Neste ambiente algo saturado e hostil, precisamos urgentemente de uma “grande prospetiva” para saber como vamos pôr em prática a próxima geração de políticas do território.
Neste particular, estou pessoalmente convencido de que uma estratégia comum luso-espanhola para o próximo período de programação dos fundos europeus 2020-2026, em ordem a uma programação conjunta dos principais “investimentos de rede da macrorregião peninsular”, seria especialmente ganhadora e apropriada para todos os investimentos de ordem inferior a realizar nas diferentes regiões dos dois países.
Todas as propostas que se seguem para “produzir território” ganhariam em consistência, funcionalidade e eficácia se tivessem esta estratégia da macrorregião na sua retaguarda. Vejamos, de forma esquemática, as principais hipóteses em presença para “produzir território novo”, no quadro mais geral do próximo período de programação e políticas do território 2020-2026:
1) Os arcos metropolitanos do litoral
O arco metropolitano do noroeste, o sistema metropolitano do centro litoral, o arco metropolitano de Lisboa e o arco metropolitano do Algarve fazem sentido no mundo transatlântico como portas de entrada do novo mundo e encruzilhada de culturas e civilizações, reclamadas pelas relações transatlânticas de comércio e investimento, pelo aprofundamento da CPLP e pela “promessa do mar” na sequência do alargamento da nossa plataforma marítima.
2) As redes de cidades médias e cidades-região
Quarenta anos depois do 25 de Abril o país continua curvado ao seu urbanismo liliputiano. As redes de cidades pequenas e médias e a formação de cidades-região inteligentes são uma promessa de futuro que pode inspirar a nova versão do POLIS XXI para vertebrar o “Grande País do Interior”.
3) Os polos tecnológicos e as redes inteligentes
A sociedade da informação e do conhecimento já aí está e a cultura digital criará uma nova sociedade de geometria variável que terá muito pouco a ver com as fronteiras político-administrativas existentes. Para lá do país que julgamos conhecer, haverá muitos outros países prontos para desabrochar. Os territórios imateriais e intangíveis da intermunicipalidade serão absolutamente surpreendentes.
4) As regiões administrativas “constitucionalmente” consagradas
Esta hipótese continua em aberto e está em linha com a tradicional divisão de fronteiras político-administrativas. O nível NUTS II é o território correspondente às atuais comissões de coordenação e desenvolvimento regional. É a evolução do chamado “modelo coordenativo” de administração desconcentrada para um modelo “politicamente representativo” que criará no continente cinco regiões administrativas. A forma e a substância desse modelo administrativo pode ser muito variável. De qualquer modo, estamos no terreno puro das clientelas tradicionais.
5) A consagração do Estado Local por via das comunidades intermunicipais
Depois da falência de muitas empresas e fundações municipais e da municipalização de muitas associações de desenvolvimento local, é agora a vez de o Estado Local promover as comunidades intermunicipais. Não faltarão bons argumentos: as alterações climáticas, a economia ecológica e sustentável, as necessidades especificas da sociedade sénior, a pobreza e a exclusão. Seja como for, há aqui uma margem muito apreciável de progresso.
6) O Portugal pós-agrícola e neo-rural
A ligação virtuosa entre a cultura virtual e o mundo rural pode abrir um caminho muito prometedor à ocupação do território, trazendo para a tranquilidade do interior do país muitas atividades profissionais e muitos neo-rurais que serão amanhã os promotores da 2ª ruralidade e de outras geografias territoriais inovadoras.
Nota Final
A terminar, permitam-me apenas um aviso solene à navegação territorial. O “Grande País do Interior” ficou seriamente danificado depois do processo de ajustamento entre 2011 e 2014.
O modelo territorial que está já no terreno pode ser pura “cacofonia territorial” para distrair os mais incautos. Se, no próximo período de programação, as CIM, as associações de municípios, as fundações e empresas municipais e as associações de desenvolvimento local servirem apenas para levar a efeito uma “cooperação corporativa”, em vez de uma “cooperação colaborativa e criativa”, tendo em vista criar nestas sub-regiões uma nova geração de bens públicos não-transacionáveis e novas/velhas relações clientelares, então tudo isto terá sido um grande equívoco e um logro monumental.
Ah, é verdade, para inovar o desenvolvimento territorial é sempre possível ocupar o território com satélites, drones, nuvens e GPS!!
Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas