O mosaico agro-silvo-pastoril e paisagístico do montado, os sítios da rede natura 2000 e as áreas de paisagem protegida, a biodiversidade e os serviços ecossistémicos, o turismo ecológico e os percursos de natureza, as denominações de origem protegida (DOP), as apelações de património imaterial da UNESCO, o campo branco e a reserva de biosfera de Castro Verde, as alterações climáticas e as medidas de mitigação do empreendimento do Alqueva, os sítios e os campos arqueológicos (Mértola), os campos e as paisagens literárias, são dez exemplos de “sinais distintivos territoriais” que podem contribuir decisivamente para a construção da iconografia de uma região, a sua marca impressiva territorial.
Sabemos, porém, que o tempo é impiedoso e que corre velozmente. Muitas vezes, corremos para identificar e delimitar os sinais distintivos de um território, mas, logo de seguida, corremos para exportar esses sinais distintivos para a “cidade universal e cosmopolita”, a cidade onde todos os sinais podem ser visualizados e visitados.
Em sentido contrário, é muito interessante observar o que irá passar-se com os espaços rurais, mesmo os mais remotos, que nós julgávamos imunes a este movimento geral de contaminação, imersos num caldo de “ambientalização, turistificação e culturalização” que, hoje em dia, o universo digital e as redes sociais disseminam à velocidade da luz.
Num plano mais analítico, o sinal distintivo territorial implica, geralmente, duas vias de leitura: a via monoespecífíca e a via multifuncional e multissetorial. Isto quer dizer que há um universo específico DOP (um vinho, um azeite, uma carne, um queijo) e um universo ou imaginário territorial pleno de evocações e significações, um terroir, um território desejado que precisa de ser trabalhado conjugadamente em várias áreas.
Entre todos os sinais distintivos, escolhemos as denominações de origem protegida (DOP), porque se prestam a esta dupla leitura e sabemos bem como o enoturismo é o elemento de ligação entre agricultura, ambiente, recreio e lazer, cultura e atividades criativas.
Com efeito, as denominações de origem protegida (DOP) como, de resto, outros sinais distintivos territoriais, não escapam a este movimento geral de turistificação.
O que importará promover e acompanhar doravante é a coabitação feliz entre todas as partes e, no final, regozijar-se com o facto de que “o todo é maior do que a soma das partes”, neste caso, que o Alentejo DOP é maior do que a soma das DOP do Alentejo. E sempre com uma especial atenção ao fenómeno da gentrificação, nas suas diversas manifestações, urbanas e rurais.
Para que o Alentejo seja um território desejado, um “Alentejo DOP”, é necessário que os seus principais sinais distintivos territoriais estejam conectados entre si e sob a égide de um ator-rede que seja capaz de lhes imprimir uma intencionalidade simbólica e estratégica, se quisermos, uma linguagem comum e uma cooperação operativa no quadro de uma “economia de rede DOP”. Vejamos alguns tópicos que nos ajudam a delimitar um “discurso DOP” sobre os sinais distintivos.
1. As DOP são um sinal distintivo de excelência territorial
As DOP são um sinal distintivo territorial, mas são sempre uma opção do produtor que tem à sua disposição outras opções produtivas; é bom não esquecer que a DOP causa segregação na produção e no consumo, ao estratificar as opções do produtor e do consumidor e que esta estratificação pode estar na origem de algum “ruído territorial” por gerar alguma dose de free raider e moral hazard;
2. Há em cada conjuntura histórica um discurso dominante acerca das DOP e da sua orientação técnico-económica
As DOP podem ter vários desenvolvimentos conceptuais e técnicos com repercussão legal, regulamentar e financeira numa certa direção: mais tecnológica, mais agroecológica e ambiental, mais comercial e financeira, mais localista e territorialista; no final, é bem provável que estejamos a compor um mix de intervenções e interesses muito diversos e legítimos, isto é, estamos perante uma corporação de interesses DOP muito particular.
3. As DOP têm um desejo oculto: alimentam-se da imanência de um território para, em seguida, se apresentarem como a transcendência desse território
Todas as DOP, pela sua própria ambição, mergulham fundo no mistério da natureza que as rodeia e, de certo modo, capturam esse território através da sua própria interpretação desse património particular; através dos produtos que fabricam as DOP, projetam esse mistério da natureza como se se tratasse de uma forma sublime de transcendência.
4. As DOP são, essencialmente, um espaço de produção, mas são, cada vez mais, um espaço de recreio e consumo, com vários serviços associados
As DOP são, cada vez mais, uma composição de produtos e serviços e essa composição altera progressivamente a cadeia de valor original e mesmo a natureza do terroir original; este compromisso permanente entre produto e serviço tem impacto estrutural na cadeia de valor da DOP e no seu modo de funcionamento que é preciso recriar em permanência.
5. As DOP têm um conteúdo agroecológico e paisagístico específico
Todas as opções produtivas envolvem implicações ambientais e paisagísticas e essas opções não são indiferentes para o consumidor, o visitante e o residente; isto quer dizer que existem várias representações agroambientais e paisagísticas e que essa composição de diversas representações é um elemento central para a tomada de decisão e a condução do negócio.
6. As representações paisagísticas das DOP e dos seus futuros terroirs têm um valor estético, artístico e cénico irrecusável, com utilidade para as atividades criativas e culturais
Os “cenários DOP” são um recurso fundamental ao dispor dos territórios para compor com outros sinais distintivos territoriais uma economia de rede e visitação muito interessante e, sobretudo, para atrair novos atores para atividades criativas e culturais, o mesmo é dizer, o terroir como décor de futuras representações artísticas e culturais.
7. As DOP são, fundamentalmente, um sinal de inteligência coletiva territorial e têm, por isso, um grau de exposição social e político no espaço público regional
As DOP precisam urgentemente de dialogar entre si, de criar um canal de comunicação privilegiado, pois possuem um recurso abundante e barato chamado “cooperação de proximidade”; as DOP do Alentejo ocupam praticamente o mesmo território, por isso, não se compreende a ausência de uma plataforma própria para gerir em comum tantos sinais distintivos, o que traria um valor acrescentado muito significativo às respetivas denominações.
8. As DOP têm uma responsabilidade social, ambiental e territorial e estão, por isso, “obrigadas a criar uma economia de rede DOP”
AS DOP do Alentejo precisam em conjunto de criar massa crítica regional e uma série de efeitos de aglomeração, externalidades positivas e rendimentos de escala, isto é, uma economia de rede e visitação, um bem comum, para os respetivos territórios; esta estrutura de conexão cooperativa é fundamental para aumentar a intensidade-rede das relações inter-DOP e a partir daí abre-se um imenso campo de novas possibilidades para todos os territórios.
9. Há uma “constelação de interesses DOP” em redor de cada denominação, isto é, em cada momento há uma composição de interesses que produzem um determinado resultado
Há uma realidade intra e extra DOP que não se esgota no círculo mais íntimo da denominação de origem; a regulamentação, os apoios públicos, a evolução tecnológica, o comportamento dos mercados, a repartição do poder no interior das cadeias de valor e respetivos circuitos comerciais, as dificuldades financeiras das organizações, a competência dos órgãos e dos seus titulares, as relações entre associados, a evolução da imagem de marca da própria DOP, tudo isto implica um compromisso de interesses e uma gestão fina por parte da administração de cada denominação.
10. As DOP têm uma institucionalidade específica e uma governança dedicada
As DOP têm uma carga de gestão e administração, porventura desproporcionada para a sua dimensão económica, social e territorial; quer dizer, é preciso averiguar a cada momento se a governança da DOP não segrega pessoas e territórios, isto é, se lhe falta uma cultura do território que acautele a sua sustentabilidade no futuro; seja como for, e do que fica dito, retira-se que a composição de tantos interesses exige, só por si, uma institucionalidade especifica e uma governança dedicada.
Nota Final
No universo DOP, tudo leva a crer que é a “cultura regulamentar” que predomina entre produtores, associações, entidades gestoras da DOP, organismos de certificação e controlo, serviços regionais de agricultura, empresas de assessoria e consultoria, autoridades inspetivas nacionais e europeias.
Depois de algumas entrevistas no Alentejo, não conhecemos um” movimento social DOP”, uma cultura territorial comum, uma plataforma própria de comunicação.
Precisamos de saber se as DOP são uma imagem promissora para as produções locais e regionais ou se são uma “denominação cada vez mais acantonada”, pouco representativa, mesmo equívoca, e sem expressão evidente nos instrumentos de política do território.
Nesse sentido, estamos convencidos de que falta uma “narrativa iconográfica da região” e de que a recomposição do território regional em redor de dez sinais distintivos, como aqueles que enunciámos logo no início, traria uma outra imagem reputacional à região e, seguramente, mais valor acrescentado fundamental para a valorização das DOP.
Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas