Tarde soalheira numa esplanada em Lagos a almoçar com um amigo da Autoridade Nacional da Proteção Civil. O tema de conversa recaiu sobre as quedas em arribas. Comentava ele que grande número de ocorrências de proteção civil estão relacionadas com acidentes em falésias, lugares que tanto nos atraem. Ficou claro para mim que deveria escrever sobre um tema que tanto me preocupa: a segurança na organização de atividades nos espaços naturais.
Na Nova Zelândia ou na vizinha Espanha, a gestão de risco nas atividades em espaços naturais está na base da oferta formativa para futuros guias ou instrutores.
Tal como nos diz Alberto Ayora*, “o risco zero não existe”. Assim, com a convicção de que nunca poderemos garantir a segurança absoluta, resta-nos então prosseguir as melhores práticas possíveis, de modo a encontrarmos, enquanto profissionais, esse ponto de equilíbrio em que se minimiza o risco ao mesmo tempo que se obtém o máximo resultado das experiências positivas que podem ser vividas na natureza. E isto, mais do que uma obrigação, é um dever!
Ao longo do meu percurso enquanto aspirante a guia de natureza, muitas foram as conversas tidas ou a participação em atividades que me fizeram refletir demoradamente sobre o tema da segurança. Algumas práticas que testemunhei levaram-me a concluir que, no nosso país, há uma tendência infeliz para ignorar e criticar qualquer entidade pública que coloque regras na realização de atividades de turismo ativo. Que “não há quedas acidentais”, que estas são “exclusivas aos pescadores” ou que “destas arribas nunca ninguém caiu”, foram algumas observações que por várias vezes escutei.
É certo que persiste um desconhecimento acerca dos números reais de acidentes e que há uma enorme falha de comunicação por parte das entidades que deviam regular, mas que se cingem a proibir, sem explicar motivos ou razões.
No entanto, enquanto empresários, instrutores e guias, é sobretudo necessário estarmos conscientes e começarmos a incluir na filosofia das nossas empresas e organizações a preocupação pela segurança, aprendendo a incluir a previsão e gestão do risco em cada atividade que preparamos.
Alguém me mostrava, há uns tempos atrás, a fotografia de uma magnífica rocha com muitos metros de altura, poucos de largura e de corte vertical, que entra pelo mar adentro nesta nossa costa ainda tão selvagem e de acessos por vezes tão difíceis. Nessa mesma fotografia, surgia a imagem de um cliente “congelado” (de medo, entenda-se), que levara, segundo nos dizia o “guia”, cerca de 2 horas para sair dali. Ao meu lado, um amigo com uma vida de experiência enquanto guia de alta montanha, abanava a cabeça comentando que “nunca para ali levaria alguém”.
De cada vez que um hotel escolhe empresas parceiras de atividades, optando pelas que lhes dão maior comissão e não impõem limites máximos de participantes, não querendo sequer saber se cumprem os requisitos legais (atirando os clientes para atividades que nem seguros oferecem), corre o risco de jogar com a vida dos seus clientes a troco de nada.
É fácil deixarmo-nos levar por um impulso que nos impele a oferecer o mais deslumbrante e o mais radical, mas há que saber quando devemos renunciar a este apelo. Porque uma experiência única pode tornar-se no pior dos pesadelos, como nos dizia Ayora ao partilhar as suas próprias experiências enquanto professor, instrutor e guia.
Temos o dever de ser ponderados e não esquecer que há sempre o risco de um pé que escorrega, uma vertigem “sem explicação”, uma rocha mais instável, uma falha que aguarda apenas mais um inverno, um pequeno sismo ou o impacto de muitas passagens, para desabar e encurtar o chão que pisamos.
Na hora de preparar um trilho, há que ponderar muitos fatores: a beleza dos lugares, a sustentabilidade da área e de espécies que ali existam, o grau de dificuldade, as saídas de evacuação, enfim, a segurança.
Ayora reforça ainda que “para levar um projeto a bom porto há que querer fazer, poder fazer e saber fazer”, não devendo os profissionais desta área esquecer que qualidade e segurança são inseparáveis.
Ensinou-nos ainda que é quando sentimos necessidade de adquirir conhecimentos e avançar no processo de aprendizagem, que devemos aproveitar para adquirir os hábitos mais seguros. Chama-lhe ele a “fase da incompetência consciente”.
Vejo, com satisfação, que várias empresas “incompetentes se assumem”, o que apenas irá contribuir para um aumento da qualidade do Turismo de Natureza. Porque é importante que interiorizemos a responsabilidade de assumirmos por algumas horas a segurança de pessoas que nos escolhem para descobrir espaços naturais que felizmente não controlamos.
Eu, incompetente me assumo!
* Comandante do Corpo Militar de Alta Montanha de Jaca, Guia, professor e autor do livro “Gestion de Riesgo”, editora Desnível.
Autora: Ana Carla Cabrita é licenciada em Comunicação Empresarial, com especialização em Comunicação Interna pela Escola Superior de Comunicação Social. Está neste momento a fazer uma pós-graduação em “Turismo Ativo no Meio Natural” na Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Proprietária e guia na empresa Walkin’Sagres.