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Faro, capital

paulo penisgaFaro deveria ser assumida por todos, cidadãos e governantes, como uma cidade a sério, cidade rosto e exemplo para toda a região e para o país. O que passa por uma visão lúcida e objetiva da cidade, especialmente por parte daqueles que assumem responsabilidades na vida pública concelhia; e não por visões megalómanas e fantasiosas que a situam a par das suas congéneres europeias, das quais, na realidade, estamos muito atrás.

Basta-nos comparar com a vizinha Sevilha, cidade maior da Andaluzia, ou numa escala bem mais próxima, com a também portuguesa e capital de distrito, Viseu, em termos de organização do espaço urbano e oferta cultural, para termos a noção do ridículo presente em certas afirmações e discursos políticos locais. E oiço isto hoje, como já ouvia ontem!

E afinal o que temos nós, os que aqui vivemos e os que nos visitam?… Um único jardim (digno desse nome), o da Alameda, do século XIX. Qualquer cidade média em Espanha, regra geral, tem um belo e amplo parque de lazer. Vá lá, eu sei, temos agora (finalmente!), o recente parque ribeirinho a bordejar parte da ria Formosa. Mas seria bom termos mais zonas verdes, na malha urbana, para além da mata do Liceu e do jardim da Alameda.

De resto, domina a fealdade imposta quase sempre por construções de mau gosto e qualidade duvidosa, ditadas quase sempre as regras por alguns empreiteiros sem escrúpulos, perante a passividade dos autarcas ao longo dos anos.

Como é possível, nos dias de hoje, permitir ainda a construção do prédio que se ergue actualmente frente à escola E.B. 2/3 Joaquim Magalhães, esmagando a amplitude do espaço e pondo um ponto final ao largo, que deveria ser requalificado e valorizado em torno da nora/poço aí existentes. É mais um golpe no olhar, uma ferida na cidade.

Vem esta constatação/reflexão servir o propósito de nos interrogarmos sobre a cidade de Faro, supostamente a capital de uma região supostamente cosmopolita (e como tal propagandeada). Se o universo cosmopolita se limitar à presença estrangeira, às compras na rua de S. António ou no Forum Algarve, então podemos dar-nos por satisfeitos.

Pergunto: uma cidade que se ambiciona mais cidade, que se quer uma smart city, é compatível com um comboiozinho turístico a circular nas artérias principais da Baixa, como se Faro fosse a praia de Carvoeiro?…

Entre a consciência ou não da memória perdida e o abandono a um presente não planeado, talvez fosse importante perceber que a essência da cidade é feita ao centro.

Quanto à oferta cultural, a que existe deve muito a associações que desenvolvem iniciativas e outras tantas propostas inéditas, tais como: a Ar Quente; a associação dos Músicos; a Alfa – associação dos fotógrafos do Algarve; os Artistas; a Arca; o Cineclube, com a sua admirável capacidade de resistência; a Filarmónica; o Clube Farense, ultimamente, com a sua programação musical; Lama, Te-Atrito, Música XXI, entre tantas outras.

Temos teatro e uma programação regular no Lethes, antigo teatro, cuja gestão é agora da responsabilidade da Acta – companhia de teatro profissional do Algarve.

Iniciativas como a Farpa Lab, novíssimo espaço de exposição, situado no topo do mercado municipal, apostando na divulgação das artes visuais e plásticas e no trabalho de artistas emergentes, assim como a 2ª edição do Poesia & Companhia, são bem-vindas e abrem novos horizontes.

Mas não podemos dar-nos por satisfeitos, podemos e devemos, sim, exigir mais! Não podemos viver do discurso bacoco de ser capital do Algarve, como se isso, só por si, fosse caução de qualquer coisa, ou rótulo de qualidade.

Talvez fosse importante perceber que as alterações da última década e as dinâmicas competitivas das cidades exigem um plano estratégico capaz de satisfazer não só as necessidades dos seus habitantes, como o desenvolvimento cultural e cívico de toda a região.

O que passa por coisas tão simples e tão complexas como a definição de um mapa de parcerias entre a Câmara, entidades públicas e privadas visando a criação de um conjunto regular e significativo de actividades culturais; o fim da destruição do património arquitetónico e artístico não classificado, mas igualmente precioso; definição rigorosa de novas zonas de expansão urbana, dotando-as de todo o tipo de estruturas de apoio e não as definindo apenas a reboque dos interesses das grandes superfícies comerciais; a gestão do Teatro Municipal das Figuras, com uma política definida e uma forte direção artística; a criação de um Centro de Arte Contemporânea; a valorização do centro histórico, quer pela preservação do seu património histórico-arquitetónico, visível na traça das casas e no traçado das ruas, quer pela afirmação de novos pólos de animação citadinos, através de uma programação atrativa, em lugares socialmente esquecidos e degradados.

Escrevo isto porque gosto de Faro, mas não vivo de ilusões. Como escreveu Baudelaire, as cidades mudam mais depressa do que o coração dos homens. Talvez fosse altura de fazer bater o nosso ao ritmo de novos e mais belos anseios.

Autor: Paulo Penisga é professor de História

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