Hoje é o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, uma data celebrada desde 1993, por iniciativa da UNESCO.
A Liberdade de Imprensa é um daqueles conceitos que enchem a boca dos cidadãos, dos políticos, dos jornalistas, mas, pelos vistos, não significa o mesmo para todos. Nem sequer em Portugal.
A primeira legislação oficial relativa ao direito à informação foi adotada há 250 anos, nos territórios onde hoje ficam situadas a Suécia e a Finlândia. Representou, naquela época, um avanço histórico e continua a ser hoje uma fonte de inspiração, numa altura em que os governos adotam cada vez mais leis que permitem (ou restringem) o acesso público à informação.
Há um dado que é preciso reter, antes de mais: um profissional dos media é assassinado a cada 5 dias em todo o mundo.
Para analisar o estado em que a Liberdade de Imprensa se encontra, em todo o mundo, é útil ver o que diz o Relatório da Liberdade de Imprensa, elaborado pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em 180 países.
Esse relatório diz que a Noruega é o país com maior liberdade de imprensa, tendo mesmo subido dois lugares desde o ano passado. Já a Coreia do Norte está em último lugar.
Os cinco primeiros lugares do ranking são ocupados por Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Holanda, por esta ordem.
Portugal subiu cinco lugares neste ranking, em relação ao ano passado, ocupando agora a 18ª posição.
O relatório dos RSF indica que «a lei portuguesa criminaliza a difamação – e quando a pessoa ofendida é um funcionário público, a pena é uma vez e meia mais longa. Além disso, os juízes têm forte propensão a ver difamação em toda parte». ..daí haver tantos processos contra jornalistas e tantas condenações.
Os Repórteres Sem Fronteiras salientam: «Portugal foi condenado 21 vezes, entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2017, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do artigo 10 da Declaração Europeia dos Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão, ou seja, três vezes mais do que a média da União Europeia. 14 dos 21 casos diziam respeito a jornalistas processados por difamação».Vejamos a posição no ranking de alguns dos principais países europeus: a Suíça está em 7º lugar, mas os RSF consideram haver razão para preocupação, devido ao «desaparecimento de muitos títulos da imprensa», a Irlanda está no 14º lugar (sendo a grande concentração dos meios o principal problema), a Alemanha está no 16º lugar, a Espanha está em 29º lugar, tendo subido cinco posições desde 2016, o Reino Unido é o 40º.
A Itália (52ª) sobe 25 posições após «terem sido inocentados, entre outros, jornalistas locais processados no caso VatiLeaks 2». Mas o relatório dos RSF salienta que a Itália «continua a ser um dos países europeus onde há o maior número de repórteres ameaçados por organizações mafiosas e criminosas».
A França, por seu lado, recupera seis posições para ocupar o 39º lugar, «mas essa subida é principalmente mecânica, após a queda excecional que tinha registado em 2015, com a matança do Charlie Hebdo».
E os Estados Unidos da América, que posição ocupam? Segundo o relatório dos RSF, ficaram em 43º no ranking geral, tendo descido duas posições desde o ano passado. E um dos principais problemas é o “media-bashing”.
«A chegada ao poder de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a campanha pelo Brexit, no Reino Unido, serviram de trampolins para a prática de “media bashing”, para os discursos anti-media altamente tóxicos, fazendo com que o mundo entre na era da pós-verdade, da desinformação e das notícias falsas».
Mas há outros perigos: a obsessão pela vigilância e o não respeito pelo sigilo das fontes contribuem para fazer com que tenham caído posições inúmeros países antes considerados como exemplos virtuosos: desde logo os Estados Unidos (43ª, -2), mas também o Reino Unido (40ª, -2), o Chile (33ª, -2), ou ainda a Nova Zelândia (13ª, -8).
E os restantes países lusófonos, como se portam? O pior de todos é Angola, que ocupa a posição 125 entre os 180 países analisados, tendo caído duas posições desde 2016. Segundo o Relatório dos RSF, em Angola, há «uma imprensa sob controlo há 40 anos». «Apesar de uma abertura muito modesta que acabou com o monopólio estatal da televisão, o controlo dos jornalistas ainda é permanente, sobretudo através do delito de difamação, ou de métodos mais diretos como a prisão dos jornalistas críticos demais». E no ano passado foram aprovadas quatro novas leis que ainda restringem mais a liberdade de imprensa.
Segue-se o Brasil, que ocupa a 103ª posição e que até subiu um lugar. «Ameaças, agressões durante manifestações, assassinatos… O Brasil Ainda é um dos países mais violentos da América Latina para a prática do jornalismo», dizem os Repórteres sem Fronteiras. «O campo da comunicação ainda é bastante concentrado no país, com forte influência de grandes famílias industriais, com frequência, próximas da classe política».
Timor-Leste está na 98ª posição e também subiu um lugar. «Processos na justiça como forma de intimidação, violência policial e difamações públicas dos media por autoridades do governo ou por parlamentares… os jornalistas do Timor Leste enfrentam inúmeras pressões que tentam impedi-los de exercer livremente a sua profissão», diz o relatório.
Segue-se Moçambique, em 93º, que desceu seis posições. Neste país africano de língua ofiocial portuguesa, «os jornalistas são alvos frequentes de processos abertos pelas autoridades, são vítimas de campanhas de intimidação. Em 2015, Paulo Machava, que trabalhava para o jornal online Diário de Notícias, foi abatido em plena rua. Ele tinha defendido jornalistas processados por difamação do chefe de estado».
A Guiné-Bissau, apesar da enorme instabilidade política, subiu dois lugares, para o 77º lugar. Os órgãos de comunicação social privados foram reabertos e o presidente «reafirmou os direitos relativos à liberdade de expressão garantida pela Constituição, assim como as leis de 2005». Mas «a autocensura permanece muito disseminada quando se trata de abordar as fraquezas do governo, o crime organizado ou a influência dos militares na sociedade. Alguns jornalistas preferiram exilar-se devido às intimidações e ameaças».
Cabo Verde é, entre os PALOP, a exceção no que diz respeito à Liberdade de Imprensa (e em tantos outros parâmetros), já que situa em 27º no ranking dos RSF, tendo mesmo subido cinco posições desde o ano passado.
Segundo o Relatório, Cabo Verde «distingue-se pela ausência de ataques contra jornalistas e uma grande liberdade de imprensa, garantida pela Constituição. O último processo por difamação foi em 2002. Grande parte dos órgãos de comunicação social pertence ao governo, sobretudo a principal rede de televisão, TCV, e a Rádio Nacional de Cabo Verde, mas seus conteúdos não são controlados». Mas nem tudo são rosas: «verifica-se, entretanto, um certo nível de autocensura devido ao tamanho pequeno do país e à paisagem mediática que encoraja os jornalistas a não ter atritos com potenciais futuros empregadores».
Em conclusão, o relatório de 2017 sobre Liberdade de Imprensa produzido pelos Repórteres sem Fronteiras diz que «a liberdade de imprensa nunca esteve tão ameaçada» no mundo. «São agora 21 países no espectro mais baixo do Ranking, ou seja, nos quais a situação da imprensa é considerada como “muito grave”. 51 países (comparando com 49 no ano passado) estão no “vermelho”, onde a situação da liberdade de informação nesses é considerada “difícil”. No total, cerca de dois terços (62%) dos países listados apresentaram um agravamento de sua situação em 2016».
E em Portugal? Além dos dados do relatório, o que se poderá dizer? A crise levou ao desaparecimento de muitos títulos da imprensa, em todo o país, enquanto os que existem se debatem com problemas. Os jornalistas estão cada vez mais precários e com os seus postos de trabalho mais dependentes da boa vontade dos patrões. Os órgãos de comunicação, nacionais e regionais, são cada vez mais dependentes dos anunciantes – empresas, entidades públicas, nomeadamente Câmaras Municipais – e das agências de comunicação, que lhes servem “notícias” prontas a consumir…
Tudo isto são ameaças para a Liberdade de Imprensa e, no fundo, para a liberdade de todos nós. Porque sem liberdade de imprensa ou de informação não há democracia. Seria bom que pensássemos um pouco nisto.
Clique aqui para conhecer o Relatório sobre Liberdade de Imprensa na íntegra.