Com a morte, na última sexta-feira, dia 17 de Abril, de José Mariano Gago, a ciência portuguesa está de luto e fica órfã, assim como se deveria sentir o país.
Há um antes e um depois de Mariano Gago, na história da ciência e da cultura científica nestes 40 anos de democracia. Esta dimensão profunda da sua ação no desenvolvimento da ciência em Portugal, nas suas mais diversas vertentes, figurará nas páginas da nossa história.
De facto, e dito pelo próprio Mariano Gago no congresso “A Revolução de Abril Portugal 1974-75”, realizado em Lisboa em abril de 2014, não há outro país que tenha multiplicado por 17 os investigadores, por 32 a produção científica e por 15, em termos reais, o Produto Interno Bruto em investigação e desenvolvimento, num tão curto período de tempo [20 anos]: “Não conheço país nenhum que tenha conseguido o feito de Portugal”, disse. Devemos-lhe isto.
Mariano Gago, em entrevista à revista Análise Social em 2011, caracterizou-se: “faço também parte de uma geração que, na Europa, na América, e noutras partes do mundo, quis levar a ciência para a rua, levar a experimentação para a escola, trazer a argumentação científica para dentro dos debates de sociedade e para a decisão política democrática “.
Era um homem de futuro e o futuro lembrar-se-á dele como exemplo do que temos de fazer para desenvolver Portugal.
“O desenvolvimento científico tem possibilidade de influenciar a visão do futuro, porque convoca necessariamente a sociedade moderna e por isso é uma força democrática”, disse Mariano Gago, avisando que “não há desenvolvimento científico se essa convicção não atravessar todos os partido políticos”.
De facto, o seu trabalho e a sua personalidade são reconhecidos com respeito maior por todo o espetro partidário. Foi o nosso primeiro Ministro da Ciência, não de um partido, mas de Portugal.
Transcrevo as palavras que Carlos Fiolhais disse ao jornal Público: Mariano Gago “é alguém que passa pela vida deixando algo, tem uma herança. O Portugal que ele deixa é diferente do Portugal que recebeu: deixa-nos um Portugal com ciência e com cultura científica. Portugal quase não existia no plano da ciência mundial e hoje, graças à política que ele pôs em prática, existe. Muitos jovens devem-lhe a carreira que estão a fazer. Se temos [a agência] Ciência Viva, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, se temos Ministério da Ciência, é graças a ele. O país deve estar-lhe grato pelo que nos deixa. A melhor homenagem que lhe podemos fazer todos é continuar o que ele fez. Era um pensador que sonhava o futuro para todos e o futuro passa pela ciência. Era uma pessoa com uma grande energia, muito convincente. A cabeça dele fervilhava de futuro. Era inspirador.”
Com ele, a incipiente ciência portuguesa sai do seu quintal umbilical e internacionaliza-se, adquirindo uma qualidade em quantidade nunca antes atingida na história portuguesa, prestigiada hoje pelos melhores laboratórios de investigação do mundo. Com Mariano Gago, a ciência portuguesa tornou-se global, com uma mobilidade comparável à grandeza dos Descobrimentos.
A sociedade portuguesa, sem se aperceber ainda disso, mudou com Mariano Gago. Deve-se a ele a criação da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva. A rede de Centros Ciência Viva, de que o Exploratório e o Rómulo fazem parte, aproximou a ciência dos cidadãos, complementou experimentalmente a formação escolar. A Ciência Viva é uma entidade única e exemplar na Europa!
A melhor forma de o homenagearmos é continuar o seu legado, inspirarmo-nos no seu exemplo. O seu paradigmático livro “Manifesto para a Ciência em Portugal”, publicado em 1990, antecâmara do que iria concretizar a seguir, continua a ser hoje inspirador para o que teremos de continuar a fazer.
Uma maior cultura científica tornar-nos-á melhores cidadãos em democracia.
Autor: António Piedade
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