Acima de tudo, aquilo que retiramos dos recentes lapsos contabilísticos, chamemos-lhes assim, do Governo Regional da Madeira é que Alberto João Jardim, do topo da sua arrogância, começa agora a merecer do continente o tratamento que há muito lhe deveria estar reservado.
Esqueçamos Cavaco Silva. Dele há pouco a esperar. A sua técnica, usada no primeiro mandato e retomada na segunda metade do reinado, é a do silêncio. O Chefe de Estado prefere calar-se a assumir uma posição (e depois fala quando devia estar calado). Será sempre assim. Trata-se de cobardia política, medo do compromisso.
Os partidos políticos nacionais, mais ou menos categoricamente, demarcaram-se da gestão irresponsável de uma parte do país que, tendo alcançado um considerável nível de progresso, fê-lo, em grande medida, à custa da tal solidariedade nacional que Jardim agora exige. Há algo de hipócrita nisto, está claro, mas há também alguma sensatez.
A questão das autonomias regionais é vasta. Sou favorável à descentralização e desconcentração política e administrativa. Contudo, o processo deve ser acompanhado – percebe-se agora porquê – de um rigoroso controlo feito por autoridades isentas, fora da esfera dos jogos políticos.
Da mesma maneira que a austeridade não é um fim em si mesmo – ela deve ter em vista a criação no médio e longo prazos das condições para o desenvolvimento económico e social – também o progresso, a infraestruturação não pode existir só por si.
De nada nos vale – e é nesse engodo que ainda vivem muitos madeirenses, como viveram os continentais até há bem pouco tempo – construir, furar, fazer, fazer mais ainda, se a longo prazo tudo isso se traduz numa pesada fatura que coletivamente teremos de pagar mais uma vez.
A Madeira é o retrato do país. À escala, o que se passa por lá é o que se passa por cá. Enganaram-nos – deixámos que nos enganassem por sermos social e coletivamente nulos – com folclore, mas a conta vem sempre no fim.
Dos partidos à comunicação social, dos órgãos de soberania à opinião pública, durante anos a fio, todos olharam para Alberto João Jardim como uma espécie de bobo da corte. Um irreverente e sem filtro contador de piadas, um excêntrico. Finalmente, parece que agora o rótulo mudou.
Contudo, o pior está para vir. Jardim voltará a ganhar, porque nele votarão aqueles [muitos] para quem o nosso futuro comum não depende das decisões que colectivamente tomarmos. É que, a não ser que jogue a Seleção Nacional, o nosso sentido de cidadania é zero.
Nuno Andrade Ferreira
Jornalista