As galinhas precisam de mais qualidade de vida nos aviários, onde são criadas aos milhares, bem apertadinhas umas contra as outras para garantir maior rentabilidade, e por isso é preciso aumentar o seu espaço vital.
Como em Portugal os criadores de galinhas não estão propriamente em condições para investir em mais espaço para as suas aves, deverão ter de ser abatidos 3 milhões de galinhas, cujas condições de vida não cumprem as novas normas da União Europeia.
Reparem bem: 3 milhões de galinhas serão mortas, para arranjar mais espaço para as restantes nos seus aviários. 3 milhões mortas para salvaguardar o respeito pela qualidade de vida das galinhas nos aviários…
Desculpem, mas se isto faz sentido, gostaria que alguém me explicasse qual é.
Eu, francamente, não percebo esta decisão de exterminar 3 milhões de bichos para garantir o bem estar dos restantes. Parece-me uma espécie de solução final para os pobres dos animais que tiverem a pouca sorte de viver num aviário cheio de mais.
Bem sei que grande parte destas galinhas é criada precisamente para isso, para engordarem e serem mortas, ou para engordar, por ovos e serem mortas. Mas esta decisão de abater assim de repente 3 milhões de animais em nome da sua qualidade de vida não me parece fazer muito sentido.
Na minha modesta opinião de pessoa que até gosta de respeitar os animais, parece-me que esta questão é mais uma daquelas cretinices decididas pela União Europeia, certamente pensada por uma série de senhores e senhoras muito bem vestidos e refastelados nos seus gabinetes com ar condicionado nos edifícios de vidro de Bruxelas.
Uma norma burocrática cinzenta, da mesma cor do céu da capital da Bélgica.
Uma norma burocrática como tantas que, nos últimos anos, passaram a reger a nossa vida até nos mais ínfimos pormenores.
Como aquelas normas que, há uns anos, obrigaram a encher de alumínio, azulejos e tetos brilhantes as queijarias portuguesas, onde se produziam alguns dos melhores queijos do mundo.
Lembro-me de, aqui há uns 30 anos, ter visitado um produtor de queijo em Serpa e ter ficado maravilhada pela limpeza das paredes caiadas de fresco, das esteiras de canas onde o queijo repousava e dos telhados de telha vã que permitiam ao compartimento de cura dos queijos “respirar”, como me explicou o produtor. Tudo envolto em alvíssimos panos, bem limpos, de tal forma que uma queijaria em Serpa se chama “rouparia”.
Uns tempos depois, a então CEE obrigou a substituir as paredes caiadas e imaculadas por superfícies frias de azulejo vidrado, as esteiras de canas limpíssimas por prateleiras estéreis de alumínio e os telhados de telha vã por placas de cimento estanques.
Resultado: as condições de humidade, circulação do ar, temperatura no interior das rouparias, obrigadas a converter-se às novas tecnologias, alteraram-se significativamente, assim como se alterou o queijo que há séculos se produzia em Serpa…
Obviamente não sou contra a exigência de boas condições higiénicas na produção de alimentos, nomeadamente de alimentos delicados, como o queijo.
Mas quer-me cá parecer que se podia ter acautelado as condições de higiene sem alterar de forma cega, quase arbitrária e burocrática, uma sabedoria de séculos.
No caso dos queijos de Serpa, como no dos 3 milhões de galinhas a abater, penso que há aqui uma dose exagerada e obsessiva de regulamentação made in União Europeia.
E uma grande falta de bom senso!
Nota: Este é o texto da minha crónica de quinta-feira na rádio RUA FM, no âmbito da rubrica «Tenho Dito», que pode ser ouvida de viva voz aqui