Ao ler as afirmações do nosso Primeiro-Ministro António Costa, no final de uma reunião com o seu homólogo marroquino, no âmbito da participação na 22ª sessão (COP 22) da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, dei por mim com lágrimas nos olhos.
É o que dá cortar cebola enquanto se goza do momento diário de comédia.
Sim, porque o único objectivo do texto partilhado no site do Governo tem que ser, forçosamente, fazer rir todos aqueles que não comam gelados com a testa…
Mas atenção! Embora possa desde já parecer que não gostei, e que a coisa me pareceu uma grande molhada de miolo de enxergão, não acho que tudo tenha sido mau.
Começa, de facto, coxo.
Porque afirma que o combate às alterações climáticas é “o maior desafio que o mundo tem pela frente”, acrescentando que o é de tal forma que “não permite mais adiamentos, porque todos os dias a ameaça é maior”.
Isso é mau? De todo. Mas, e correndo o consciente risco de parecer picuinhas, parece-me algo incoerente brindar-nos com tais sound bites, que nos põem a matutar então na necessidade de preparação para as rapidamente mutáveis realidades sujeitas aos efeitos potenciadores de risco das alterações climáticas e ser, em simultâneo, o Governo que legitima ocupações ilegais em Domínio Público Marítimo nas ilhas-barreira da Ria Formosa que, só assim por acaso, e fora todos os outros problemas, estão na linha de fogo de um conjunto alargado de fenómenos pouco simpáticos para a integridade biofísica do sistema e, pior, para pessoas e bens. Será coisa pouca, mas não consigo deixar de pensar nisto…
A redenção chega logo de seguida, sob a forma da incontornável, popularucha e hoje em dia politicamente correcta alusão a Donald Trump e à bem presente ameaça dos Estados Unidos da América se retirarem do Acordo de Paris aquando da tomada de posse do seu novo presidente, colocando em causa a estratégia global de combate às alterações climáticas. Fala mesmo em retrocessos contraproducentes.
Sendo certo que fica sempre bem desviar a atenção das nossas próprias falhas, recorrendo às dos outros, neste caso esta estratégia (que é velha como o tempo) tem um senão. É que a visão do próximo presidente do EUA, embora cientificamente desajustada e estrategicamente comprometedora não apenas para os seus cidadãos, mas para todo o Mundo, é coerente, seja porque aquela cabecita loira não dá para mais, ou porque é para isso que lhe pagam os interesses que o apoiam.
Mas o que dizer então de quem sabe qual é o caminho correcto, até o prega, mas depois não o trilha?
É que falar de retrocessos é falar, justamente, de apostar em paradigmas ultrapassados que não só não contribuem para a solução, como são o próprio problema. E falar disto é falar da aposta na exploração de hidrocarbonetos em Portugal e, concretamente no Algarve.
Por isso mesmo, o alardear de descarbonização total da economia até 2050, de revisão do Roteiro Nacional de Baixo Carbono, de compromisso para com uma mudança de paradigma global e de aposta total nas fontes renováveis de energia – onde o País, e o Algarve na linha da frente, tem condições de excelência –, a par da manutenção dos contratos de concessão para a exploração de hidrocarbonetos, não passa de uma ufana Trumpalhada.
Pior, nem o endemoninhado Trump prega aos outros para fazerem o que ele diz, mas não fazerem o que ele faz…
Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)