É já praticamente impossível dizer alguma coisa de novo sobre o recém-eleito governo grego e sobre a inesperada entrada de duas novas estrelas no firmamento político europeu, o primeiro ministro Alexis Tsipras e seu ministro das finanças, Yanis Varoufakis.
Ainda assim, correndo o risco de repetir o que já se disse, ou até o que se virá a repetir vezes sem contas, vale a pena fazê-lo. Trata-se da gravata, ou da falta dela.
A libertação da gravata poderia ser só uma questão de estilo, uma forma de afirmação de uma espécie de enfants terribles acabados de chegar à cena política, mas não creio. É isso, mas não é só isso. A política, como muitas outras áreas da nossa vida, vive de códigos e de símbolos. Constrói-se de uma linguagem de identificação com o poder, que resulta de um conjunto de códigos que vão muito para além do discurso instalado e dominante, quase sempre proferido por homens de fato e gravata.
Sobre o discurso dominante, já se sentiam reações crescentes de contestação; com a crise, termos como sub-prime, rating, swaps, eurobonds e inúmeros outros têm-se instalado no discurso corrente dos nossos dias, trazidos por aqueles que, em teoria, nos deviam explicar o que nos está a acontecer (políticos e comunicação social).
O que sei (ou sinto) é que não é só da gravata que a Europa se está a despir e isso sim, deve-se a Tsipras e a Varoufakis
Na realidade, esta linguagem não faz mais do que afastar-nos daquilo que nos interessa tão de perto, deixando-nos a sensação de estarmos perante assuntos complexos demais para a nossa compreensão.
São coisas que só “eles”, os tais homens das gravatas, entendem. E se de alguma coisa serviu o escândalo do caso BES, em Portugal, foi para demonstrar como um bom fato aliado a um articulado discurso técnico, servem para mascarar muita aldrabice (e aldrabice é uma palavra que qualquer português compreende).
Não sei se Tsipras e Varoufakis se vão revelar os heróis em que uma parte do mundo já os está a querer transformar (tanto quanto a outra parte os pretende demonizar) e acho, sinceramente, que salvar um país é tarefa gigantesca de mais para se pedir a um homem.
O que sei (ou sinto) é que não é só da gravata que a Europa se está a despir e isso sim, deve-se a Tsipras e a Varoufakis. Com esta opção, a Europa tem a oportunidade de se despir de toda uma roupagem discursiva que mais não tem feito do que aumentar a distância entre os povos europeus e os seus dirigentes.
Este papel é particularmente refrescante num ministro das finanças, habitualmente os de discurso mais impenetrável. O que tem Varoufakis de diferente? Para já, duas coisas muito simples: veste-se como nós e fala como nós. E isso não é pouco!
Tsipras e Varoufakis podem até nem conseguir reverter a tragédia grega, ou amenizar a crise europeia, mas uma coisa já conseguiram: aliviar o nó da comunicação entre cidadãos e políticos e mostrar que, afinal, estes sabem falar a nossa língua.
Autora: Anabela Afonso é licenciada em Relações Internacionais e mestre em Comunicação, Cultura e Artes, variante Teatro