As finanças públicas prosseguem normalmente dois objetivos: o primeiro, de provisão de bens públicos e de redistribuição do rendimento. O segundo, de estabilização económica.
A política orçamental em Portugal incidiu sempre de uma forma quase exclusiva sobre o primeiro objetivo, havendo, raras vezes, uma extensão para a função de estabilização da economia, incluindo o seu crescimento.
Esta separação da visão estritamente contabilística das receitas e das despesas públicas, de uma visão global mais estratégica de desenvolvimento económico só era alterada na programação dos investimentos públicos e, em alguns casos, na política fiscal. Mesmo na época salazarista, havia consciência dos decisores políticos na forte ligação entre a despesa pública e o crescimento da economia.
A economia portuguesa, devido à sua dimensão e ao seu relativo fecho ao exterior, depende ainda de uma política económica com forte pendor “Keynesiano”.
Cada sistema económico tem as suas características próprias, muitas delas fortemente estruturantes, que devem ser sempre ponderadas. A abertura crescente da economia ao exterior é uma política correta, mas leva ainda algum tempo a ser sustentável.
Vem isto a propósito do atual quadro de gestão orçamental pública no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira (vulgo “Acordo com a Troika”).
Os persistentes défices das contas das Administrações Públicas (Central, Regional e Local) e a consequente acumulação crescente do “stock “ da dívida pública, conduziram a uma situação de incerteza sobre a capacidade de Portugal cumprir os seus compromissos relativos à dívida pública e por arraste às dívidas das empresas públicas e privadas.
A solução foi a de um programa de saneamento financeiro, avalizado e controlado por uma comissão internacional representativa dos interesses dos credores (Troika).
A diminuição da dívida só será possível com a criação de saldos primários positivos. Estes saldos são obtidos pela diferença entre receitas públicas e despesas públicas (não entrando nestas últimas os juros da dívida pública).
Até aqui, tudo é racional e semelhante ao que acontece com o saneamento financeiro de uma empresa, conduzido por um sindicato bancário. Uma boa avaliação por uma entidade bancária deverá considerar como garantia principal a perspetiva da rentabilidade da empresa, isto é, a sua capacidade de criar valor (rendimento líquido) e correspondente saldo de tesouraria, que permita pagar os juros e amortizar o capital em dívida.
No caso da economia (no sentido macro), a situação de solvabilidade é similar. Só com crescimento e criação de rendimento é possível gerar excedente nas contas públicas para pagar a dívida.
Neste contexto, a proposta de Orçamento de Estado para 2014 mantém o efeito recessivo sobre a economia, devido, principalmente, à diminuição do rendimento disponível. O único elemento favorável ao crescimento é o previsível aumento da procura externa líquida em 1.1 pontos percentuais.
Contudo, este efeito, dependente da situação económica do resto do mundo (cujo comportamento tem sido muito variável), pode ser anulado pela já referida evolução negativa da procura interna (com efeito multiplicador sobre a diminuição do rendimento e aumento do desemprego).
Utilizando precisamente os multiplicadores descritos em recente estudo da Comissão Europeia (“Fiscal Consolidation and Spillovers in the Euro Area Periphery and Core”, DG ECFIN) de, em média 0.8, o que corresponde a igual valor já avançado o ano passado pelo Professor Vítor Gaspar, o efeito negativo da austeridade em 2014 poderá afetar cerca de 1.4% do PIB
Este cálculo, independentemente da exatidão do valor, demonstra o erro persistente da atual política orçamental. Com efeito, não só se empobrece o país, como se aumenta a dificuldade em cumprir os critérios orçamentais (défice e dívida), a que estamos obrigados como membros da Zona Euro.
Este é a principal dificuldade da atual política centrada no Orçamento de Estado, que tem de ser resolvida pelo Governo Português, mas também pela Comissão Europeia, cuja incapacidade para desenvolver uma política global de desenvolvimento para a Europa é no mínimo confrangedora.
Além da persistência do erro em política económica e orçamental, persiste a crise de confiança dos cidadãos e das empresas nos dirigentes políticos nacionais e comunitários e nas respetivas Instituições.
Cabe a cada um de nós, técnicos, políticos, empresários ou simples cidadãos, insistir numa política orçamental mais realista, mais coerente e mais responsável no que se refere às consequências económicas e sociais para o País.
Tal política terá de passar necessariamente pela alteração dos prazos de consolidação e da forma e maturidade da dívida, mas também por mais competência na gestão pública.
Autor: Adriano Pimpão
Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas e Membro do Conselho Económico e Social.
Foi Reitor da Universidade do Algarve, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional (1995-1997), entre muitos outros cargos públicos e realizações profissionais.
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