Após a apresentação da proposta de Orçamento de Estado para 2013, pelo ministro Vítor Gaspar e de toda uma maratona informativa sobre o assunto, fui-me deitar.
De manhã, após acordar, ao ser confrontado com o facto de que afinal o pesadelo continua, ao ler os títulos dos principais jornais e ao ver as notícias da manhã, percebi que nada tinha mudado, contudo fui assaltado por um pensamento. E se…
Admiti-lo implica aceitar que este governo seja capaz de uma inteligência sobrenatural, será admitir uma capacidade estratégica fora do comum e aceitar que em política nem tudo o que parece é, sendo que esta última afirmação não traz qualquer surpresa.
Mas a política pode ser maquiavélica e, como diria Niccolò Machiavelli, fundador da ciência política moderna, na frase a si atribuída por muitos, ainda que persista alguma controvérsia sobre se foi efetivamente uma sua frase, “Os fins justificam os meios”.
E se…
E se tudo isto não passar de um grande esquema para que no “final” todos saiamos a ganhar, portugueses e governo? E “engolirmos o sapo” ao sermos obrigados a aceitar a nossa ingenuidade, bem como aceitarmos a candura de toda a oposição política, enfim, de todos os que se têm oposto a estas medidas e talvez até mesmo daqueles que a têm apoiado sem saber os seus reais motivos.
E se aquilo que este governo está a engendrar for projetar no exterior uma imagem de desespero e dor tais que provoque nos credores internacionais e demais parceiros Europeus uma espécie de Síndrome de Estocolmo, identificando-os, agressores, connosco vítimas?
Seria muito inteligente, talvez “bom” demais para ser verdade, mas talvez o ingénuo seja eu, ou pelo menos crente. Vejamos.
Os protagonistas.
Um povo ordeiro, pacífico, corajoso, mas humilde, logo a ovelha sacrificial perfeita.
Temos credores internacionais a quem pagaremos um absurdo em dívida e em juros da mesma, credores esses que nos “forçaram” a assinar um contrato que todos sabemos totalmente suicidário.
O agiota.
Um governo que parece inabalável nos seus propósitos, inatingível, irredutível e aí encontramos o perfeito carrasco.
O Argumento.
Há uma dívida colossal que tem que ser paga aos credores em tempo recorde, resultado de mais de três décadas de má gestão dos dinheiros públicos. Lá está o motivo para a chacina.
O elemento dramático.
A pobreza, a fome anunciada, as dívidas, o incumprimento familiar, os despejos, a doença, a morte anunciada de todo um povo sem esperança.
E de repente os credores, FMI, Europa, Presidente da República, analistas internacionais, jornais internacionais, todos começam a pedir calma aos governos. “Não sacrifiquem a ovelhita (porque senão acaba-se a lã)” e começa a desenvolver-se o Síndrome de Estocolmo, identificando-se connosco, protegendo-nos do Governo e de si próprios, permitindo-nos mais tempo para que paguemos a dívida com juros mais baixos.
O Governo sai por cima, imaculado. Apresenta o plano urdido nos vários Conselhos de Ministros, lá está, por isso foram tantos e nós evidentemente perdoávamos-lhes a maldade. Voltam a ganhar as próximas eleições para estupefação de todos os agentes políticos.
Se não é a realidade podia muito bem sê-la. Pelo menos há os ingredientes necessários para uma peça literária ou cinematográfica. Que bom seria aceitar a transposição desta trama para a vida real, Machiavelli, Síndrome de Estocolmo, o agiota, a ovelha, o carrasco, o argumento e o drama.
Esperemos que a conclusão seja menos negra que a anunciada.
Ou tudo não passou de um sonho ou sofro do Síndrome de Vítima.
Autor: Miguel Caetano é arquiteto