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Sul Informação

Paris pariu um rato…

gonçalo-gomes-21… verde, mas ainda assim um rato.

Tudo deve mudar para que tudo fique como está, já dizia, mais coisa menos coisa, o ficcional Príncipe de Falconeri, nascido da imaginação de Giuseppe di Lampedusa, em meados do século XX.

A recente Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, cuja 21ª sessão (COP 21) decorreu até há dias em Paris, acabou por demonstrar parcialmente esta máxima.

Mesmo com um alargado consenso em torno da necessidade de tomar medidas urgentes para mitigar o fenómeno das Alterações Climáticas, não foi possível às 195 Nações reunidas alcançar um idêntico nível de entendimento relativamente às medidas concretas a tomar.

O que não surpreende, já que há neste processo um nó de hipocrisia difícil de desfazer. De tal forma que, ou aparece por aí um qualquer Alexandre que lhe trate da saúde à moda do nó Górdio, ou não vamos a lado nenhum no tema.

Basicamente, nestes encontros mundiais promove-se uma espécie de terapia de grupo ambiental, em que o que está em cima da mesa é uma exigência dos países ricos e industrializados aos mais pobres e/ou emergentes para que adoptem modelos de desenvolvimento moderados, e que não almejem obter o estilo de vida praticado por esses mesmos países industrializados.

De caminho, pede-se-lhes ainda que sejam ambientalmente responsáveis. Tudo isto enquanto os países industrializados procuram minimizar os impactos decorrentes do seu modelo social, mas sem tocar no paradigma sobre o qual este assenta.

Dá-se o aborrecido caso de que uma esmagadora percentagem dos contributos poluentes das economias emergentes tem origem na produção massiva de bens que sustentam o estilo de vida… dos países ricos e industrializados.

Estes, entretanto, reduziram emissões pela “exportação” das suas unidades de produção para esses países emergentes, num processo que, pelo meio, glorifica o desrespeito pelos Direitos Humanos, porque produzir ao preço da chuva e a cumprir com obrigações, salários, horários e afins, não há quem.

Longe da vista, longe do coração, e todos nós, consumidores, preferimos não pensar nas implicações dos preços simpáticos de coisas que, conscientemente e em condições normais, sabemos que não podem custar tão pouco.

Como quem prega o “faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço” se arrisca sempre a ouvir o “ou há moral, ou comem todos”… os acordos obtidos, tal como este que agora emerge, mantêm-se não vinculativos, o que é realmente o seu calcanhar de Aquiles.

O Acordo de Paris dependerá então de boas intenções (à semelhança dos anteriores), e da visão mais progressista que os líderes mundiais tenham e que consigam fazer vingar.

É que isto de ser ecológico é muito bonito no discurso, mas quando se passa à acção e, concretamente, às implicações que uma mudança de paradigma possa ter nos interesses instalados… verde, provavelmente só o bolor que as ideias ganham nas fundas gavetas para onde são atiradas.

Como infeliz exemplo, veja-se, em plena era “verde”, e no coração da Europa consciente e ambientalmente responsável, o escândalo da Volkswagen…

Agrava-se o problema se pensarmos que este acordo já se auto-reconhece como insuficiente face às necessidades, tendo em conta que os sucessivos empurrões com a barriga que foram sendo dados nas anteriores COP foram esgotando a reduzida margem de manobra que existia.

Tenta-se agora recuperar algum tempo através de mecanismos financeiros de solidariedade a definir, em que os países mais abonados financiam os esforços de países em desenvolvimento, numa tentativa parecida à do Mecanismo Internacional de Perda e Danos de Varsóvia, que nasceu da COP 19, em 2013, mas de carácter preventivo e não reactivo. É uma espécie de expiação por transferência bancária, que raramente funciona.

Não é por se largarem umas toneladas de euros, dólares, rublos ou renmimbis (ou yuans, confesso a minha confusão) em cima dos problemas que eles se resolvem. E depois, de onde vem o dinheiro, quando todo o mundo se assume em crise? Geração espontânea por força do pensamento positivo? Esta teoria fantasiosa (muito em voga, note-se), embora apelativa, por norma tem duras e dolorosas colisões com a realidade…

Além de que o problema das Alterações Climáticas decorre, em boa medida, de atitudes e comportamentos de cada um dos habitantes deste planeta. Depende do que consumimos, da forma como nos transportamos, como nos divertimos, como nos relacionamos, como comunicamos. Para tudo isso necessitamos de quantidades titânicas de energia. Que já não sabemos muito bem onde ir buscar. E não parecemos colectivamente dispostos a mudar.

Há excepções interessantes, mas são experiências de nicho, que beneficiam da simplicidade das escalas de proximidade, não resistindo aos desafios colocados pelo alargamento do modelo a uma aplicação mais geral, enquanto organização da sociedade.

Enquanto não se conseguir gerar este impulso da base para o topo, e não o inverso, todos os acordos serão frágeis. As mentalidades não se mudam por decreto.

Paris deixa no entanto um legado de esperança, e esperança é coisa da qual muito se necessita nestes tempos conturbados que atravessamos. Desde logo, pelo esforço colectivo de tantas e tão diferentes Nações sentadas à mesma mesa, a pelo menos tentar chegar a acordo numa matéria tão crucial quanto esta.

Depois pela crença de que a espécie humana tem um potencial tremendo de realização. Temos capacidade para criar tecnologias fantásticas, e no capítulo energético – nas suas diferentes vertentes –, muitas há já desenvolvidas com desempenhos ambientais muito mais favoráveis do que as actuais, mas que estão ainda reféns de lobbies poderosos.

Esperemos que Paris marque, com todo o seu simbolismo, o início da sua libertação.

Mas, para já, e infelizmente, a COP 21 foi como o Melhoral… não fez bem nem mal.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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