O dia começou cedo. A cadela não me deixa dormir. Aí pelas 2 da matina levanto-me para abrir a porta da campervan e eis que percebo porque a cadela não pára quieta: cangurus a toda a volta. Ela dispara atrás deles e eu grato porque ela não ladra durante a sua perseguição (estamos num parque de campismo um pouco cheinho de people) e grato que ela não apanha nenhuma (duvido que alguma vez apanhe).
Depois de andar atrás dela a chamá-la baixinho, logo lhe ponho a mão no cachaço, deixo-a presa com uma corda ao primeiro poste que encontro e volto para a cama.
Pela primeira vez, lembro-me do jogo, falta uma hora para começar (às 3 da matina aqui) e, como tenho um longo dia pela frente, volto para a cama. Acordo às 5 da matina, checo o télélé e no Guardian vejo que o jogo está no empata e vai a prolongamento. Meio a dormir, lembro-me do francês que encontrei na lavandaria ontem à noite a dizer que a cozinha do parque tem televisão e que o jogo passa lá.
Lá me levanto, noite cerrada ainda, e quando saio da carrinha lá está a cadela acordada a vigiar os cangurus à distância, com um olhar daqueles. Vou até à cozinha, ligo a televisão e, antes que me aperceba que o Ronaldo nem sequer está a jogar, vejo o Éder e, antes de ter tempo de dizer cenas tipo «o que é que este gajo está ali a fazer?», o homem marca. Silenciosamente na noite australiana, levanto os braços que ninguém está lá para ver, digo um bom f##$, c**#$@, ponho um sorriso de orelha a orelha a ver o resto do jogo.
Logo aparece um daqueles grey nomads madrugadores a ir para o banho que pára ao pé de mim, surpreso por ver um gajo a ver bola a meio da noite nas Kimberley australianas, que pergunta se o Murray ganhou Wimbledon. Eu olho para ele e respondo: Don’t know squat about Wimbledon, but Portugal is about to win. E após uma pausa digo com orgulho e um sorriso: And I’m portuguese!
E fico a pensar se há um tuga mais longe de outro tuga do que eu nesta manhã gloriosa.
Bruno Pais, que se formou em Engenharia Biotecnológica na Universidade do Algarve e viveu muitos anos em Faro, vive e trabalha na Austrália e está neste momento a fazer uma viagem de 7200 quilómetros de carro entre Perth e Townsville, onde passará a viver.
