Se não tem alergia, tente a sua sorte, porque os funcionários das finanças devem ter sido os únicos funcionários públicos deste país que, em vez de verem o dinheiro encolher, viram-no crescer esplendorosamente. Para lá do ordenado, no último ano foram mais 57 milhões, e, nos últimos 10 anos, empocharam 635 milhões. Como é que isto funciona?
Como é possível esta desigualdade tão gritante, o que têm os funcionários das Finanças que os outros não têm, para conseguirem levar para casa perto do dobro do ordenado, três vezes por ano? Serão mais competentes, mais empreendedores, mais apetrechados tecnicamente?
Nada disso. A única coisa que os funcionários das finanças precisam é de ser sacanas e que me desculpem os que não são. E vai assim, com todas as letras, face às notícias que enchem as páginas dos jornais sobre os abusos, a prepotência, o mau feitio, os erros grosseiros de que são vítimas os contribuintes, comportamento a que a Autoridade Tributária chama produtividade, reservando 5% das receitas com os processos de execução fiscal, que ficam no Fundo de Estabilização Tributária (FET), um eufemismo para agraciar com mais dinheiro os funcionários “pelo valor acrescido obtido através da cobrança coerciva”.
Claro que, com um olho no processo e outro no prémio, os funcionários cobram IMI a mais, penhoram casas de família por dívidas de 90 euros, recusam-se a receber pagamentos para poderem cobrar coimas, retêm o valor obtido na venda de casas penhoradas e que ultrapassa a dívida ao fisco, dinheiro esse que deveria ser entregue ao contribuinte com a mesma prontidão com que são efetuadas as execuções.
E quem quer reclamar, paga primeiro e logo se vê, apesar de serem cada vez mais os processos que o fisco perde em Tribunal.
Entretanto, surgiu a nova moda, a de penhorar bens perecíveis, que os bens imóveis e móveis já não chegam, e atiram-se às encomendas de produtos feitas aos fornecedores pelas empresas, aos alimentos doados a associações de solidariedade social, aos bolos das pastelaria ou então aos futuros jantares, caso o cliente do restaurante tenha declarado a fatura.
Com tal notificação, o cliente ocasional fica “automaticamente” informado do alegado valor das coimas e/ou dívidas da empresa, dados supostamente sigilosos, e também passíveis de recurso por parte do multado ou executado.
Isto porque, ao ser exigido ao cliente que, em vez de pagar o próximo jantar, entregue às finanças o valor, é indicado o montante que o fisco acha que está em dívida.
Em Abril deste ano, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais prometeu, em entrevista ao Expresso, perante o descalabro das cobranças coercivas e a polémica que geraram, que o Governo pretende impor um limite à atuação da Autoridade Tributária, no sentido de reduzir o número de penhoras aplicadas e “esta semana foram tomadas decisões no domínio da cobrança coerciva, estando em curso mudanças nos procedimentos e automatismos em matéria de penhora e/ou venda de bens”, jurou o governante.
Não é que se tenham notado as tais reduções, mas ao tentar limpar a face, perante a indignação pública após notícias de penhoras escabrosas, o Governo reconhece o abuso e a arbitrariedade das atuações do fisco.
Mas há mais. Será que os 57 milhões deste ano são distribuídos equitativamente pelos 9000 funcionários do fisco?
Isso é que era bom, haver na Autoridade Tributária uma democracia e tratamento equitativo, como recomendam os preceitos constitucionais, por enquanto ainda em vigor, que ditam a obrigatoriedade de os cidadãos não terem tratamento discriminatório por parte do Estado.
Aplicando o espírito e a letra da coisa, para o funcionário que põe a mão na massa e dá a cara perante a indignação dos contribuintes espoliados, o bónus pode atingir 32% do seu vencimento. Já a chefia direta aboleta-se com 35% e o dirigente/diretor, no conforto do seu gabinete, arrecada 42% em cima do ordenado.
Como o pagamento do bónus é feito três vezes por ano, em Maio, Setembro e Dezembro, a minha amiga Ana, ao ouvir estas quantias obscenas, que elegem os funcionários do fisco como os mais glutões em tempo de vacas magras, comentou com o seu proverbial bom senso:
– Olha, isto parece a história da Carochinha e do João Ratão, só que o pote, em vez de sopa, tem euros. Deve haver montes de carochinhas pouco ricas e bonitinhas, a querer casar com funcionários das finanças. Até eu queria, mas tenho alergia!
Oh! deuses!, castigai-os a eles e não a mim!