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Rentrées: o estado a que isto chegou e o estado a que podemos chegar…se quisermos

Inês Morais PereiraQuase em meados de Outubro e, pelos vistos, ainda não há rentrées. Longe vão os tempos em que, no início de Setembro, os media anunciavam as rentrées partidárias e lá tínhamos nós que “levar com aquilo”: os cenários deixavam um pouco a desejar, os castings denotavam alguns erros sérios. Enfim, eram os filmes com que éramos prendados. Hoje é evidente que as produções não eram de grande qualidade e as consequências estão à vista. Sentimo-las todos os dias.

As rentrées que hoje trago aqui são diferentes, mas deixam-me igualmente apreensiva, aliás, não usando quaisquer eufemismos, deixam-me muito preocupada.

Falo das rentrées da Justiça, da Educação, da Alta Finança.

No que às duas primeiras diz respeito, só me apraz dizer o seguinte: mas em que País, em que Estado de Direito, que se arrogue dessa definição, ministros de duas áreas fundamentais de uma Democracia encetam processos de reforma (?!?!) ou colocam em funcionamento um ano escolar, em que nada funciona, tudo se perde, os cidadãos são afetados de forma inqualificável e não há consequências disso?

Isto diz muito da inabilidade governativa a que temos assistido. Mas diz, igualmente, muito daquilo que somos enquanto coletivo. Tenho sérias dúvidas que, se isto se passasse em Hong Kong (temos todos acompanhado o que por lá se tem passado), restasse pedra sobre pedra deste retângulo à beira mar plantado.

Quanto à alta finança (alta em esquemas duvidosos, em trapaças, enfim, alta no pior sentido que isso pode ter), assistimos mais uma vez a um clássico lamentável – meia dúzia de senhores donos da banca privada usam e abusam da fidúcia que nós depositamos nas instituições bancárias e vão inovando cá dentro e lá fora, a seu bel prazer, de forma a melhor aumentar o seu pecúlio.

Como o risco sistémico é elevado, entra o Estado, ou seja, o dinheiro dos nossos impostos para branquear os crimes (sim, no sentido jurídico do termo) cometidos. A regulação (?!?!) e a investigação (?!) encarregam-se de ir acompanhando o caso.

Poderíamos falar do estado da Saúde, onde profissionais e utentes do Serviço Nacional de Saúde são todos os dias defraudados por um “Estado” que injeta recursos públicos no sector privado, ou da Segurança Social que vai sendo descapitalizada à conta de “estágios” e outras formas inovadoras e hilariantes de mascarar o trabalho precário, sem condições, onde impera o lema “carne para canhão”, ou ainda das estatísticas “criativas” dos números do (des)emprego.

Mas esta análise já está mais que feita e quantas vezes nos indignámos e indignamos com estas e tantas outras situações, verdadeiramente atentatórias num Estado de Direito Democrático.

Mas as “palavras estão gastas” e as palavras já não bastam.

Passemos então à ação. Muitos dirão que as instituições estão criadas e a funcionar, vivemos numa democracia baseada em partidos políticos, existem os sindicatos…

Bem, na verdade, tenho dúvidas que algumas instituições estejam a funcionar regularmente, há muito que percebemos que os partidos políticos deixam muito a desejar e que, por este caminho, ainda serão “extintos por inutilidade superveniente”, enquanto alguns sindicatos têm demonstrado, infelizmente, não serem capazes de estar à altura dos desafios que os trabalhadores enfrentam nos dias de hoje.

O quadro é complexo, bem sei, mas há esperança e a esperança reside nas pessoas, nos cidadãos, em cada um de nós.
Porque acredito que, muito para além das audiências dos “reality shows”, das febres futebolísticas, das leituras de jornais cujo jornalismo deixa tanto a desejar, há cidadãos conscientes e ansiosos por dar o seu contributo para honrarmos o legado dos nossos pais e dos nossos avós que fizeram o 25 de Abril e para construirmos e deixarmos um Futuro, digno desse nome, aos nossos filhos.

Basta darmos o primeiro passo, sairmos do nosso mundo individual e envolvermo-nos TODOS nas associações de pais, nos nossos condomínios, nos clubes de bairro…

Por mais pequeno que nos possa parecer o contributo, aliado a tantos outros, faz uma diferença enorme e juntos poderemos chegar aonde quisermos e fazermos o que é preciso ser feito!

A cidadania também é isto e esta é verdadeiramente a Rentrée que precisamos!

 

Autora: Inês Morais Pereira
Advogada e membro da Civis – Associação para o Aprofundamento da Cidadania

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