Em Portugal, deveríamos aperfeiçoar a cultura da transparência e da “accountability”.
Decerto estarão recordados da chamada “Reforma Relvas”, aquela que extinguiu mais de um milhar de freguesias por esse País fora.
Lembro-me que muito se discutiu na altura da bondade desta reforma, da sua necessidade e imperatividade (fruto da assinatura do memorando com a troika).
Os autarcas das freguesias tentaram obstar à aprovação da lei, solicitando inclusivamente ao Presidente da República que exercesse o seu magistério de influência, e esgrimiram os seus argumentos, um dos quais que a poupança obtida seria praticamente nula.
Aquando da aprovação da lei, o então ministro Miguel Relvas afirmou que, “com a aprovação deste eixo da reforma da Administração Local, damos mais um passo para o aumento da eficiência dos serviços públicos, bem como para a sustentabilidade do poder local. A coesão territorial sai reforçada. Esta é uma reforma para as pessoas e não para os políticos”.
Volvidos mais de dois anos, era importante perceber se a extinção de 1165 freguesias conduziu a ganhos de eficiência nos serviços públicos ou se o poder local se tornou mais sustentável por isso. E, já agora, se a coesão territorial saiu reforçada.
Conhecemos em parte, pelo menos formalmente (?!), os critérios que estiveram na base do fecho de tribunais, repartições de finanças, centros de saúde, pelo Poder Central. E sabemos que tais critérios não foram coincidentes com os que presidiram à reorganização político-administrativa…Não deveriam ter sido? Ou estes últimos deveriam ter sido outros? Reforçou-se a coesão territorial? Não me parece. Extinguir ou agrupar circunscrições geográficas ou serviços públicos, por si só, não resolve os nossos problemas e até pode, inclusive, agravá-los.
Com isto não quero dizer que não se devesse promover um processo de reorganização político-administrativa. Mas participado, transparente, claro, cujo objetivo fosse efetivamente a coesão territorial e a provisão de forma eficiente e equitativa a todos os cidadãos dos serviços públicos que um Estado de Direito deve garantir.
E, já agora, seria necessário perceber se a Lei 75/2013, de 12/09 que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico é mesmo adequada aos tempos em que vivemos e aos desafios que enfrentamos.
Teria todo o sentido levar a cabo uma Reforma que seja digna desse nome, se esta partisse de uma visão pensada e sustentável do território, tendo em consideração, por exemplo, os contornos demográficos e o tecido económico dos municípios, os movimentos pendulares, os efeitos de escala na captação de investimento, que pudesse trazer ganhos de eficiência e melhoria na provisão de bens públicos às populações.
E, nestas condições, creio que as populações estariam dispostas a ver extintos ou agrupados os concelhos onde residem e/ou trabalham.
Mas será que os políticos e os autarcas também estariam?
Autora: Inês Morais Pereira é advogada e doutoranda em Gestão da Inovação e do Território pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve