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Carlos Moedas_© European Union_2016

O futuro da União Europeia é um “Livro em Branco” e o que nele constará será decidido pelos Estados-Membros. O presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker lançou, na passada semana, um debate que se quer alargado, sobre a estratégia que a Europa deve adotar nos próximos anos, ao qual o Sul Informação também se juntou.

O nosso jornal foi o único do Algarve e um dos poucos meios de comunicação social regionais do país a ser convidado pela União Europeia para uma entrevista conjunta a Carlos Moedas, Comissário Europeu para Investigação, Ciência e Inovação, que explicou o que é que está em causa e quais são, na sua visão, os grandes desafios que se colocam à União Europeia.

 

Diretores dos jornais regionais – Por que razão é importante avançar com este Livro Branco, neste momento?

Carlos Moedas – Vivemos um momento crítico. Tivemos dois anos muito difíceis: a crise de refugiados, os atentados terroristas, o Brexit… E, desde 2008, vivemos primeiro uma crise financeira, depois uma crise económica, e, hoje, ainda temos um crescimento abaixo das expectativas e elevado desemprego.
Momentos de crise requerem respostas determinadas. E a marca da União Europeia, nos seus 60 anos de vida que comemoramos por estes dias, é a capacidade de se adaptar e superar as crises.
Este é o momento de fazer escolhas sobre o que queremos para o nosso futuro. Este documento é um passo neste processo de mudança. É um documento que apresenta caminhos e as consequências positivas e negativas de cada caminho.

DJREntre os cinco cenários apresentados, há alguns passíveis de restringir a livre circulação de cidadãos entre Estados-Membros. Isso não poderá ser altamente penalizador para a economia, nomeadamente para setores chave para Portugal, como o do turismo?

Carlos Moedas_© European Union_2016

CM – Os cinco cenários são válidos e todos eles têm vantagens e inconvenientes. Convido todos a ler este documento e estou certo de que vão perceber que os cenários de retrocesso ou de fazer menos têm custos enormes para a vida das pessoas.
Por exemplo, vamos ficar-nos por um mercado único de mercadorias, sem uma liberdade de circulação dos cidadãos dentro da UE?
Obviamente, eu sou um europeísta convicto e produto do projeto europeu. Saí muito novo de Portugal e estive em vários países europeus, e, por isso, a minha escolha pessoal é clara: a escolha de achar que a Europa deveria estar mais unida. Os problemas são globais e deveríamos fazer mais em conjunto.
Mas quem sou eu? Eu acho que os cidadãos têm de fazer as suas escolhas.

DJRParece-lhe que será possível lançar um verdadeiro debate sobre o futuro da UE? Não estão os Estados-Membros demasiado afastados das instituições?

CM – É possível e é necessário. Alguns governos europeus têm, por vezes, a tentação de estar “afastados” das instituições quando se invocam obrigações e responsabilidades em prol do bem comum e “próximos” quando o que está em causa são benesses para o seu país. É o que o Presidente Juncker intitula de “Europeus em part-time”.
É isto que temos que combater. A UE é feita de todos nós, não é “Bruxelas” que pode servir de bode expiatório quando dá jeito. Por isso é que a Comissão não procura, com este documento, impor um caminho.
Procura, pelo contrário, abrir um debate com todos e para todos. Procura que esse debate seja realista, para que se façam escolhas conscientes dos benefícios, mas também dos custos de cada cenário. São os países e as pessoas que têm que escolher o caminho.

DJRAcha os cidadãos equivocados ou com demasiadas expectativas em relação à UE?

CM – Há, muitas vezes, um desfasamento entre as expectativas que as pessoas têm da Europa e o que a Europa pode de facto fazer. Por um lado, infelizmente é demasiado tentador responsabilizar “Bruxelas” por decisões, às vezes impopulares, que os próprios Estados Membros tomaram.
Por outro, é também por vezes difícil explicar com clareza “quem faz o quê”, ou seja, as políticas e ações que são da responsabilidade dos países e as que são oriundas da União Europeia.
Uma das maiores dificuldades, hoje, da Europa é as pessoas pensarem que nós podemos fazer coisas que não podemos. Que temos poderes de fazer e decidir aquilo que não podemos.
O Presidente Juncker dá o exemplo muito interessante sobre o desemprego juvenil. Ele disse que as pessoas esperam que a Europa resolva o desemprego juvenil.
A Europa pode ter programas de estágios, pode fazer investimentos que podem estimular a criação de emprego, mas a UE só controla 0,3% daquilo que é o orçamento em relação às despesas sociais na Europa. 99,7% desse orçamento é decidido pelos países, mas as pessoas pensam que é a Europa. E culpabilizam a Europa por um poder que a Europa não tem.

DJRAdmite que o desencanto sentido por uma parte dos europeus face ao projeto da UE possa conduzir, ainda este ano ou em 2018, à possibilidade de outros países solicitarem uma saída do projeto, tipo Brexit? Neste cenário de resultados eleitorais mais negativos, que poderá fazer a Comissão Europeia para atalhar o problema?

CM – Na apresentação do Livro Branco, o Presidente Jean-Claude Juncker sublinhou a importância do projeto europeu não ficar refém de agendas políticas nacionais e de ciclos eleitorais.
No entanto, temos de admitir que vivemos também um momento difícil na história da União Europeia, porque, pela primeira vez, um Estado Membro decidiu sair.
E se, embora me entristeça, é uma decisão que respeito, é também uma decisão que nos obriga a refletir sobre o rumo que a Europa deverá seguir com 27 Estados Membros.
As razões do Brexit são tristes e profundas. Vários governos britânicos, independentemente da cor partidária, usaram Bruxelas como bode expiatório de todos os males.
Se a isso acrescentarmos problemas na comunicação das vantagens do projeto Europeu, a falta de isenção em grande parte da imprensa inglesa, e outros elementos, temos os condimentos de uma crise.
E esse é o real problema do que vivemos hoje. As pessoas esquecem-se que a União Europeia é composta pelos países e são esses países que fazem essas escolhas.
É o propósito deste Livro Branco sobre o futuro da Europa: oferecer vários cenários aos países e aos cidadãos europeus para poderem escolher de forma consciente e cientes das consequências.
Felizmente, em geral, os portugueses têm sido sempre defensores do projeto europeu. Mas temos que ter cuidado para o futuro, porque estamos já a ver que algumas pessoas começam a perguntar “será que vale a pena?” E só isso já é preocupante.

DJR Face à perda de influência demográfica e económica da Europa, será de temer a subjugação financeira da Europa ao poderio dos EUA, China e grandes gigantes asiáticos em conjunto?

Carlos Moedas_© European Union _2016

CM – Temos de perceber a realidade em que estamos, de uma Europa que cada vez representa menos no mundo. Repare que a Europa há 20 anos representava 30% do PIB mundial e hoje apenas 20%. Ao mesmo tempo, a China era 2% e hoje é 17%. Assim, daqui a 20 anos, um país como a Alemanha nem sequer estará no G7.
Perante este cenário, temos que escolher e temos que pensar: o que é que nós vamos ser daqui a 20 anos? Portanto, para mim, a única opção válida é de nos mantermos unidos porque os problemas são globais, não os conseguimos resolver sozinhos.

DJR Parece-lhe possível revolucionar o futuro da União no quadro das atuais instituições ou antevê mudanças nesse âmbito?

CM – O documento diz, a certa altura, que a forma deve seguir a função, isto é, primeiro temos que escolher o que queremos para a Europa e depois certamente saberemos fazer as reformas institucionais necessárias. A força da Europa é precisamente a sua “adaptabilidade”.
Há 60 anos, eram 6 países e crescemos até 28, com avanços e recuos. Mas a marca comum é a adaptabilidade. Instituições robustas são as que se sabem adaptar. Dito isto, também estou consciente que, mais importante que as questões institucionais, é ter cada vez mais capacidade de melhorar a vida quotidiana dos cidadãos.

DJRCom a apresentação dos cinco cenários possíveis para a UE em 2025, como é que se espera conseguir um debate amplo, aberto e profundo, envolvendo as bases – ou seja os cidadãos – ao mesmo tempo que se admite que existe um enorme desconhecimento em relação ao que as instituições europeias fazem e uma grande falta de memória sobre o que a Europa representou para cada um dos países, nas últimas seis décadas? Que instrumentos serão colocados ao dispor dos cidadãos para se poderem pronunciar sobre os cenários que são colocados e que influência poderão ter na escolha final?

CM – Eu acho que esta iniciativa é um exemplo de como a Comissão Europeia quer fazer política de forma diferente. A política antes fazia-se muitas vezes de porta fechada, os líderes reuniam-se, decidiam e impunham o caminho. Hoje em dia, não se pode fazer política assim.
A política tem de ser feita, não para as pessoas, mas com as pessoas. Temos acima de tudo que dar-lhes toda a informação para que tomem decisões conscientes.
Aquilo que fizemos com a apresentação do Livro Branco foi exatamente isso: abrir o debate a todos, apresentando os vários cenários e as consequências de cada cenário. E apresentamo-los no Parlamento Europeu, a casa dos deputados eleitos diretamente pelos europeus.
Temos muitos canais já abertos para que os cidadãos participem, mas o que queremos mesmo é incentivar que as pessoas tenham mais consciência das várias opções. Esta escolha, e as respetivas consequências, não podem ser tomadas pela Comissão Europeia, mas por cada um dos 500 milhões de cidadãos da UE.
O debate tem de ser feito nos países, com as pessoas. Não será a Comissão a dizer às pessoas o que devem pensar.

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