O verniz estalou de vez nas hostes do Partido Socialista em Vila do Bispo. Em comunicado divulgado já esta madrugada, os socialistas daquele concelho da Costa Vicentina anunciam que, «após inúmeras tentativas vãs de diálogo», retiram a «confiança política a Adelino Soares», atual presidente da Câmara, eleito pelo PS e membro desse partido.
Nuno Amado, presidente da Concelhia do PS e também da Assembleia Municipal de Vila do Bispo, explicou, em declarações ao Sul Informação, que essa «retirada da confiança política» significa, na prática, que «todas as ações que Adelino Soares possa fazer, todas as suas decisões enquanto presidente da Câmara, não vinculam o PS». Ou seja, frisou, «o PS deixa de estar vinculado ou de ter algo a ver com as decisões do presidente da Câmara, que apenas o comprometem a ele e a quem as aprove nos órgãos próprios».
Nuno Amado: «todas as ações que Adelino Soares possa fazer, todas as suas decisões enquanto presidente da Câmara, não vinculam o PS»
Este braço de ferro entre Adelino Soares e os órgãos locais dos socialistas já dura há largos meses, com acusações de parte a parte. Em Janeiro passado, já depois de a Assembleia Municipal, onde o PS até tem maioria, ter chumbado por duas vezes o Orçamento para 2015, Adelino Soares retirou a confiança política ao vereador socialista Afonso Nascimento, que era até então o seu número 3 na autarquia, e, com essa decisão, colocou o executivo socialista em situação de minoria na Câmara.
Contactado hoje de manhã pelo Sul Informação, Adelino Soares desafiou a Concelhia do PS a interpor-lhe um processo disciplinar. «Mas eles não têm coragem para isso», acrescentou.
O presidente da Concelhia responde dizendo que «apenas seria interposto um processo disciplinar se isto fosse uma questão partidária estrita, em que Adelino Soares tivesse violado os Estatutos do Partido Socialista. Ora, não é disso que se trata. O que ele tem feito reiteradamente é violar os acordos políticos pré-eleitorais que assumiu», o que, na sua opinião, não é passível de processo disciplinar.
Nuno Amado salienta que o mau estar entre PS e Adelino Soares já vem do anterior mandato autárquico, o primeiro de Adelino à frente da Câmara de Vila do Bispo. De tal maneira que «ele não era para ser o candidato nas eleições de 2013, porque havia muitos militantes e simpatizantes que não o queriam, devido às suas atitudes de prepotência».
Mas, após várias reuniões e contactos, com órgãos locais, regionais e até nacionais do partido, «houve um entendimento» e Adelino Soares foi de novo o cabeça de lista escolhido. Nas eleições autárquicas, o PS ganhou e até reforçou a sua votação, garantindo a maioria no executivo e na Assembleia Municipal, e ganhando mesmo mais uma freguesia.
Nuno Amado acusa o presidente da Câmara de «atitude prepotente, na maneira de ser, de estar e de fazer». O comunicado do PS vilabispense vai mais longe nas acusações: Adelino Soares «decidiu escolher uma conduta de governação prepotente, surda, irresponsável, conduzida por critérios pessoais» e «tem assumido de forma estritamente pessoal, teimosa e errática, algumas posições que em nada dignificam a política, o partido e as pessoas do Concelho de Vila do Bispo».
PS/Vila do Bispo: Adelino Soares «decidiu escolher uma conduta de governação prepotente, surda, irresponsável, conduzida por critérios pessoais»
No seu comunicado – datado de 19 de Abril, por ser a data da reunião da Concelhia em que foi decidido «por unanimidade» retirar a confiança política a Adelino Soares -, o PS de Vila do Bispo afirma que «não pode ser complacente com aprovações sistemáticas sem fundos disponíveis, que violam a Lei dos Compromissos; com o despesismo inaceitável em festas ou eventos lúdico-desportivos desmedidos que não trazem benefícios para a população do Concelho; com apoios financeiros ad hoc a todo o tipo de atividades, tudo feito sem regra, sem controlo e sem regulamentos atualizados e que se coadunem com a situação financeira muito delicada do Município».
Como exemplos desse alegado «despesismo», o presidente da Concelhia socialista recorda, em declarações ao nosso jornal, os «30 mil euros dados à Volta ao Algarve em Bicicleta, os 25 mil para o Rali de Vila do Bispo, quando, em ambos os casos, nem pilotos, nem ciclistas, nem equipas deixam cá dinheiro porque até vão dormir a Lagos, ou os 17 mil euros dados a uma volta de amigos de Odemira a Sagres».
Em resultado deste clima de confronto, Vila do Bispo é o único concelho algarvio – e dos poucos do país – ainda sem Orçamento Municipal aprovado para o corrente ano de 2015.
As duas primeiras versões foram reprovadas ainda no ano passado, quando a Assembleia Municipal, por unanimidade e mesmo com os votos do PS, chumbou as propostas apresentadas pelo presidente da Câmara. Em causa, estava o financiamento dos Bombeiros Voluntários de Vila do Bispo, cuja verba foi considerada insuficiente.
Finalmente, em 19 de Março, os presidentes da Câmara e da Associação de Bombeiros Voluntários assinaram um protocolo que atribui 308 mil euros à corporação. Parecia ficar assim sanado o diferendo que levou a AM a chumbar duas vezes o Orçamento, pelo que o presidente Adelino Soares poderia ter voltado a submeter novo Orçamento à aprovação da Assembleia Municipal. Só que, até agora, ainda não o fez.
Porquê? Essa foi uma das questões que o Sul Informação colocou, por escrito, esta manhã, ao edil Adelino Soares, mas às quais ainda não recebeu resposta.
Nuno Amado acusa o presidente da Câmara de não ter querido «resolver um assunto crucial para uma terra pequenina como Vila do Bispo, que é ter Bombeiros a funcionar e operacionais». Foi nesse sentido, defende o presidente da AM e da Concelhia socialista, que «a Assembleia fez propostas de recomendação ao presidente da Câmara», pedindo «a renegociação do protocolo» entre Bombeiros e autarquia.
Entretanto, em Março, até «porque houve intervenção do próprio PS a nível superior», finalmente foi assinado o novo protocolo, garantindo o financiamento que todas as forças políticas de Vila do Bispo, incluindo os próprios socialistas, pensam ser o necessário. «Dissemos ao presidente da Câmara: apresente novo Orçamento que a Assembleia aprova. Mas até agora ele não o fez», apesar de, na opinião de Nuno Amado, «neste momento não haver qualquer impedimento a que o Orçamento seja aprovado».
Preocupado com situação está António Eusébio, presidente do PS/Algarve, que, apesar de dizer que se trata de «uma questão local» e de uma «decisão local», admite que tem «acompanhado com o máximo de cuidado a questão» e garante que vai «continuar a acompanhar».
O líder dos socialistas algarvios disse ao Sul Informação que houve já diversas reuniões entre as partes para tentar chegar a um consenso, mas «infelizmente não se conseguiu, porque as questões estão muito extremadas entre as partes».
António Eusébio: «infelizmente não se conseguiu [chegar a consenso], porque as questões estão muito extremadas entre as partes»
Quanto à retirada de confiança política, António Eusébio explica que, a nível interno do partido, tal decisão da Concelhia não terá consequências. «Apenas significa que Adelino Soares deixa de ter a confiança dos seus correlegionários».
Apesar de tudo, o presidente do PS/Algarve parece não ter perdido totalmente a confiança, afirmando que «isso não quer dizer que a situação não se venha a alterar no futuro». «Vamos esperar que as coisas se resolvam de futuro e sejam esclarecidas localmente», frisou.
Com a sua longa experiência como autarca, António Eusébio admite que «havendo aqui uma retirada de confiança e estando o executivo em minoria, naturalmente que a tarefa de gestão do município é agora mais difícil». Por isso, faz votos para que «trabalhem da melhor maneira para prejudicar o mínimo as pessoas do concelho».