O «segundo acórdão negativo do Tribunal Constitucional» tornou «inevitável» o pedido de demissão do ex-ministro das Finanças, hoje aceite pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República, diz Vítor Gaspar na sua carta de demissão, a que o Sul Informação teve acesso.
Mas a sua «credibilidade» minada pelos desvios, nomeadamente pela queda das receitas tributárias, também foi determinante, acrescenta.
Numa espécie de mea culpa, Gaspar salienta que «o incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias». Assim sendo, a «repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto Ministro das Finanças».
Gaspar dá ainda a mão à palmatória no que diz respeito ao desemprego e à necessidade de investimento. «Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, a nível do desemprego e de desemprego jovem são muito graves», admite o ex-ministro na sua carta a Passos Coelho.
Por isso, tais problemas «requerem uma resposta efetiva e urgente a nível europeu e nacional.- Pela nossa parte, exigem a rápida transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento»
Só que, admite Gaspar, «esta evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidade. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem».
Na sua missiva, o ex-ministro começa por recordar que já no dia 22 de outubro de 2012, «há pouco mais de oito meses», tinha dirigido ao primeiro-ministro uma outra carta «que assinalava a urgência da minha substituição no cargo de Ministro de Estado e das Finanças». Agora, «em meados do ano seguinte, essa urgência tornou-se inadiável».
O primeiro «acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de julho de 2012 e uma erosão significativa no apoio da opinião pública às políticas necessárias ao ajustamento orçamental e financeiro na sequência das alterações então propostas à taxa social única» foram, em outubro do ano passado, as razões apontadas agora por Gaspar para esse seu primeiro pedido de demissão, que não foi então aceite.
Desta vez, após o segundo chumbo do Tribunal Constitucional, o ministro considerou «inevitável» a sua demissão, mas foi-lhe «pedido que continuasse para assegurar conclusão do sétimo exame regular [da Troika], a extensão do prazo de pagamento dos empréstimos oficiais europeus e a preparação do orçamento retificativo». «Aceitei então por causa da situação dramática para a qual o país seria arrastado se essas tarefas não foram realizadas», escreve Gaspar.
Agora que tais tarefas estão prontas, o ex-ministro considera que a sua saída era «inadiável».
Mas, antes de terminar, Vítor Gaspar queixa-se de que «apenas após o Conselho Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular», o que veio a ocorrer no dia seguinte.
No entanto, sublinha, «a ausência de um mandato para concluir atempadamente o sétimo exame regular não me permite agora continuar a liderar a equipa que conduz as negociações com o objetivo de melhor proteger os interesses de Portugal».
Daí que, a terminar, Vítor Gaspar faça alusão ao mau estar que a sua manutenção à frente da pasta das Finanças estava a criar no seio do próprio Governo, afirmando: «é minha firma convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua [de Passos Coelho] liderança e a coesão da equipa governativa».
Leia aqui na íntegra a carta de demissão de Vítor Gaspar.