A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza considera ser necessário implementar treze medidas para proteger o Parque Natural do Vale do Guadiana (PNVG), que ontem assinalou 19 anos de classificação, alocando, para isso «investimentos públicos e privados».
Em comunicado, a Quercus considera ser necessário «efetuar o alargamento da Área Protegida, no sentido de proteger totalmente as áreas de ocorrência das populações de Saramugo», um pequeno peixe em risco de extinção, que ocorre no Rio Guadiana.
Será ainda necessário implementar ações que visem a «conservação dos habitats prioritários», «das aves estepárias, assente na manutenção da cerealicultura extensiva em área aberta», «das aves rupícolas, assente numa melhor gestão dos fatores de perturbação e na manutenção das manchas de habitat adequado» e das «margens das linhas de água, vegetação ripícola associada e das espécies que dependem do meio aquático».
A Quercus defende ainda ser preciso «melhorar a gestão dos caudais e a qualidade da água do Rio Guadiana e dos seus afluentes e definir zonas de proteção relativamente à utilização pelo gado das margens das linhas de água».
Outra medida passa por «implementar um programa de controlo continuado de espécies exóticas, com subsequente recuperação de habitats com a instalação de espécies autóctones».
Mas será ainda necessário «melhorar a fiscalização e vigilância na área do parque, com mais recursos humanos e meios materiais, permitindo um maior controlo sobre as atividades de caça e pesca, atividades turísticas, abate de espécies protegidas e recolha ilegal de espécies da flora e prevenção de incêndios».
A criação de um «programa de apoio ao desenvolvimento rural e às atividades agro-silvo-pastoris em regime extensivo, compatíveis com a conservação do solo, da água e da fauna selvagem» é outra das medidas propostas pela Quercus.
A associação defende igualmente que é preciso «promover o desenvolvimento dos bosques de azinho, zambujeiro e alfarrobeira, proporcionando condições para a regeneração natural», bem como «promover um amplo programa de sensibilização e educação ambiental direcionado para a população local, proprietários de gado e caçadores, de modo a sensibilizar a população, antes da reintrodução do Lince-ibérico».
No que diz respeito a este felino em vias de extinção, a Quercus defende que, «sendo os atropelamentos a principal causa de morte não natural do Lince-ibérico, nos locais assinalados como possíveis pontos negros locais de atropelamento deverão ser construídas passagens áreas ou subterrâneas».
Por último, a associação ambientalista sublinha a necessidade de «assegurar o correto ordenamento da ocupação humana turística e dos usos recreativos, promovendo ativamente o turismo de natureza, de forma a conciliar o seu usufruto com a conservação dos valores naturais em presença».
No seu comunicado, a Quercus faz também uma retrospetiva do que foi feito de positivo e negativo nesta Área Protegida e traça cenários com base na definição de ameaças e na identificação de oportunidades.
O Parque Natural do Vale do Guadiana ocupa cerca de 69 773 hectares dos concelhos de Mértola e Serpa e estende-se ao longo do rio Guadiana desde a zona a montante do Pulo do Lobo até à foz da ribeira do Vascão.
O troço médio do vale do Guadiana, assim denominado, é uma zona caracterizada pelo seu valioso património natural, as planícies ondulantes, as áreas de esteval e os montados de azinho, as elevações quartzíticas das serras de São Barão e Alcaria, os vales encaixados do rio Guadiana e seus afluentes e toda a fauna selvagem presente.
Esta riqueza natural, aliada à ameaça de progressivo desaparecimento dos sistemas tradicionais de utilização do solo, justificaram a criação do parque natural, como forma de salvaguardar os valores naturais existentes e promover o desenvolvimento sustentado da região, recorda a Quercus.
A área do Parque Natural possui uma elevada diversidade de habitats, como os charcos temporários mediterrânicos, os matagais arborescentes de Zimbro, os bosques de azinheira, os matagais de Loendro, Tamujo e Tamargueira (vegetação própria dos cursos de água mediterrânicos), bem como matos rasteiros de leitos de cheia e as galerias dominadas por Choupos e Salgueiros.
Destaca-se ainda a presença de espécies da flora ameaçadas, como o Trevo-de-quatro-folhas-peludo que ocorre nas áreas ribeirinhas.
Relativamente aos valores faunísticos, estes evidenciam-se a nível nacional, sendo a bacia hidrográfica do rio Guadiana considerada a mais importante em Portugal para a conservação da ictiofauna, com a presença de espécies de peixes dulçaquícolas autóctones e de migradores, alguns dos quais se encontram em perigo de extinção, como o Saramugo, a Boga-do-Guadiana, o Barbo-de-cabeça-pequena, o Caboz-de-água-doce, a Lampreia-marinha, a Saboga e o Sável.
Encontra-se ainda uma grande diversidade de bivalves de água doce, com a presença de quatro espécies nativas.
A avifauna nesta região, é igualmente, bastante rica com a presença de aves de rapina, como o Peneireiro-das-torres, a Águia-de-Bonelli, a Águia-real, a águia-imperial, e o Bufo-real e, ainda pelas aves de estepe características de zonas de planícies, como a Abetarda, o Sisão e o Cortiçol-de-barriga-negra.
Devido às suas características, o Parque Natural do Vale do Guadiana está inserido quase na sua totalidade na Rede Natura 2000, através da criação da Zona de Proteção Especial para Aves Selvagens “Vale do Guadiana” e do Sítio “Guadiana”.
De modo a aumentar o conhecimento e preservar a biodiversidade da região, têm sido desenvolvidos projetos de conservação e de investigação científica no PNVG e este é o local onde se prevê para breve a reintrodução do Lince-ibérico.
No entanto, segundo a Quercus, «apesar de todos os valores naturais que tornam o PNVG um polo de biodiversidade único no nosso país, este tem vindo a ser seriamente afetado pelas mudanças sócio-económicas, como os fenómenos da emigração e do envelhecimento da população, levando ao abandono das atividades do sector primário, as quais se revelam essenciais para a conservação da fauna selvagem».
Assim, as aves estepárias são «o grupo mais vulnerável, pois dependem essencialmente dos sistemas agrícolas extensivos e o seu desaparecimento origina perda de habitat e consequentemente redução das populações».
A ictiofauna tem vindo a ser «afetada pelas alterações no leito e margens dos cursos de água da bacia do Guadiana».
A Quercus sublinha que é exemplo disso a implantação de empreendimentos hidráulicos e de numerosos açudes, obras de regularização das linhas de água com consolidação das margens ou corte de vegetação ripícola, alteração do leito do rio para a navegabilidade de embarcações de dimensões superiores às utilizadas atualmente e a extração de inertes para construção civil.
Por outro lado, a captação de água nos períodos de seca, a sobreutilização das margens das linhas de água pelo gado e a deficiente regulação do caudal, assim como a poluição difusa, «influenciam negativamente a qualidade da água e consequentemente a ictiofauna e os bivalves de água doce».
A ictiofauna nativa é ainda seriamente ameaçada pela presença de espécies exóticas como a Amêijoa-asiática, o Achigã, a Perca-sol, o Chanchito e o Lagostim-vermelho.
Verifica-se ainda, na área do Parque Natural, «a inexistência de saneamento básico em algumas povoações e o aumento de atividades de lazer como o desporto motorizado de todo-o-terreno, o btt e as atividades aquáticas motorizadas, suscetíveis de provocarem poluição da água ou de deteriorarem os valores naturais».
Por fim, salienta a Quercus, «esta área está ainda ameaçada por vários fatores como o agravamento da erosão do solo e desertificação, o elevado risco de incêndio, a captura e abate ilegal de espécies protegidas, a utilização de artes ilegais de caça, abandono de entulho ilegal, a abertura de caminhos e a construção de grandes empreendimentos turísticos».