A Quercus- Associação Nacional de Conservação da Natureza colocou a suspensão da classificação como “Qualidade de Ouro” da Praia de Dona Ana entre piores factos ambientais de 2015, segundo uma lista hoje divulgada.
De facto, em Julho passado, a Quercus suspendeu a classificação “Qualidade de Ouro”, atribuída à Praia de Dona Ana, no concelho de Lagos, no Algarve, por considerar que «as intervenções realizadas em 2015 colocaram em causa o equilíbrio ambiental e paisagístico que deve nortear a atribuição deste galardão».
Na lista dos doze piores factos ambientais de 2015 e no que diz respeito ao sul do país, a associação ambientalista incluiu ainda o risco de expansão de espécies exóticas no Alqueva.
Segundo a Quercus, «é preocupante o risco de expansão de algumas espécies exóticas, como o jacinto-de-água, já presentes no rio Guadiana, em Espanha, para a área central da Albufeira de Alqueva, tendo em conta os custos ambientais mas também económicos que tal situação irá acarretar». Por isso, sublinha, «é urgente o reforço das medidas que as autoridades já estão a tomar, com vista a monitorizar e controlar este problema».
A associação ambientalista salienta que «2015 foi marcado pela continuação da crise financeira e económica dos últimos anos, ainda que se tenha assistido a uma pequena recuperação económica do país. Num contexto cada vez mais premente de alteração de comportamentos, de modo a garantir a sustentabilidade do nosso Planeta, o grande desafio passa por conseguir conciliar futuramente o crescimento económico de Portugal, em todas as vertentes que o mesmo implica, com atitudes individuais e coletivas mais respeitadoras do Ambiente».
Assim, como tem acontecido em anos anteriores, a Quercus, com a colaboração das suas estruturas regionais e nacionais, faz um balanço ambiental relativo ao ano de 2015, sobretudo ao nível nacional, selecionando os melhores e os piores factos, e apresentando algumas perspetivas para o ano de 2016.
Entre os piores factos, a Quercus começa por destacar as descargas poluentes e barreiras no Rio Tejo, recordando os «recorrentes episódios de poluição e ameaça ao continuum fluvial, registados ao longo do ano no Rio Tejo, um rio internacional de elevado valor ambiental, cultural e económico», que «fazem com que este se apresente ano após ano, progressivamente, mais degradado e ameaçado, tendo no ano de 2014 sido inclusivamente detectadas barreiras que impedem a migração da fauna piscícola ao longo do rio».
Para os ambientalistas, as metas de reciclagem estabelecidas através do Plano Estratégico dos Resíduos urbanos (PERSU 2020) são «absurdas, porque obrigam as regiões do interior a reciclarem 80% dos resíduos em 2020, enquanto as grandes metrópoles de Lisboa e do Porto só têm de reciclar entre 42 e 35%». Tudo isto, defendem, apenas «para que se continuem a incinerar resíduos recicláveis».
A Quercus denuncia também os «impactos nefastos da implementação do regime de arborização», revelados no ano de 2015, depois de aprovado o DL n.º 96/2013, de 19 de Julho. «Aumentaram os novos eucaliptais à custa sobretudo da conversão de pinhais-bravos e outras formações da nossa floresta autóctone, associados a uma incorrecta mobilização de solos e às queixas dos agricultores, devido à falta de condicionantes à proximidade das culturas agrícolas».
A associação diz ainda que «o anterior Governo criou uma “Via Verde” para a (ir)responsabilidade ambiental», com a entrada em vigor, no início do ano, do Decreto-Lei nº 165/2014, que veio criar um regime extraordinário de regularização da atividade de estabelecimentos e explorações sem licença, em geral empresas altamente poluidoras ou negligentes no cumprimento das normas ambientais. Trata-se, na sua opinião, de «uma iniciativa que apenas vem confirmar a falta de vontade política para dotar o País de um regime devidamente regulamentado e eficaz de responsabilidade ambiental».
Outro facto negativo, este de ordem internacional, foi o escândalo e fraude nas emissões do grupo Volkswagen. «Em 2015, a marca alemã Volkswagen esteve envolvida num escândalo sem precedentes devido à introdução de um dispositivo de “software” incorporado nos motores a gasóleo de veículos em todo o Mundo, inclusivamente em Portugal, onde haverá cerca de 117 mil veículos afetados pela fraude. Esta denúncia despontou investigações e processos judiciais em vários países devido a motores adulterados».
Facto negativo nacional que se voltou a registar foram os incêndios florestais, que «continuam a ser considerados um dos maiores problemas ambientais do nosso País».
Segundo o 9º relatório provisório de incêndios florestais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, entre 1 de Janeiro e 15 de Outubro, a área ardida foi de 62 401 hectares. Os distritos mais afetados pelos incêndios foram a Guarda, Viana do Castelo e Braga com 11 889 hectares, 9 999 hectares e 7 143 hectares, respetivamente, correspondendo a estes três distritos 47% do total da área ardida em Portugal Continental.
A Quercus classifica ainda como facto ambiental negativo, a continuação da venda, em Portugal, do glifosato. É que, salienta, em 2015, a Organização Mundial de Saúde declarou o glifosato (junto com outros pesticidas organofosforados) como “carcinogénio provável para o ser humano”.
No entanto, «a situação em Portugal é particularmente grave, uma vez que este é o herbicida mais comercializado, sendo vendido livremente para uso doméstico e agrícola em hipermercados, hortos e outras lojas e, lamentavelmente, usado com abundância por muitas autarquias para limpeza de arruamentos».
Também negativa foi a falta de alimento para as aves necrófagas. «A reorganização das atividades agropecuárias e a alteração nos ecossistemas naturais resultou na redução da abundância das presas naturais das aves necrófagas, tendo–se estas aves adaptado e passado a encarar os animais domésticos associados às atividades agropecuárias como parte da sua dieta alimentar». A restrição das regras sanitárias, que ditou a recolha obrigatória das carcaças dos animais mortos dos campos, «criou, e agravou em 2015, o problema de escassez de alimento para estas aves selvagens protegidas».
A aprovação do Parque Eólico de Torre de Moncorvo, previsto para os concelhos de Torre de Moncorvo e Carrazeda de Ansiães, a ser construído, irá «afetar a paisagem na Zona Especial de Proteção do Alto Douro Vinhateiro, classificado como Património Mundial». A instalação de 30 aerogeradores com 120 metros de altura é «incompatível com a paisagem classificada do Alto Douro Vinhateiro», pelo que a Quercus já fez uma participação à UNESCO para impedir que este projeto avance.
Por último, a Quercus considera o «veneno ilegal que continua a matar espécies em perigo» como um dos piores factos ambientais do ano. E recorda que, em Maio, foram encontrados junto ao Rio Angueira, em Miranda do Douro, quatro Abutres-pretos (Aegypius monachus) e um Abutre-do-Egipto (Neopron pernocopterus) vítimas de envenenamento ilegal. «Estas aves estão em perigo de extinção e este caso vem mostrar, mais uma vez, que a ação humana pode ser determinante na sua conservação em Portugal».
Mas o ano ambiental, segundo a Quercus, também de fez de boas notícias e factos positivos. O primeiro foi a entrada em vigor da legislação que desincentiva o consumo dos sacos de compras descartáveis em plástico, integrada no pacote da “Fiscalidade Verde”, e que «acabou por se revelar uma medida extremamente eficaz para minimizar a produção de resíduos e ajudar a uma maior sustentabilidade ambiental».
Outro facto positivo foi a recuperação de algumas populações de fauna ameaçada, nomeadamente o abutre-negro, a águia-imperial-ibérica e o lince-ibérico.
«Atualmente, algumas populações que estiveram extintas em Portugal durante várias décadas voltaram a ter populações em território nacional, como o abutre-preto, uma espécie extinta durante quase 40 anos e que já conta com onze casais reprodutores este ano. A águia-imperial-ibérica também está a recuperar, sendo conhecidos atualmente mais de doze casais reprodutores, e o lince-ibérico conta já com onze animais em território nacional, fruto do programa de reintrodução em curso», assinala a associação.
Positiva foi também a ação na área da Cidadania pelo Ambiente. O surgimento, na área do Ribatejo, de vários movimentos informais de cidadãos, dos quais se destaca o movimento “Vamos Salvar o Rio Almonda, dedicado à luta pela despoluição do Rio Almonda, «conseguiu, pela sua persistência, chamar a atenção das autoridades nacionais em matéria dos recursos hídricos para os graves problemas de poluição provocada por efluentes industriais neste curso de água, o que conduziu à tomada de decisão para a implementação de medidas relativamente às indústrias poluidoras, nomeadamente a suspensão de algumas licenças de descarga».
A Quercus salienta ainda, entre os melhores factos ambientais do ano, a legislação sobre a produção de composto a partir de resíduos, esperada desde 2006, que «vem ajudar a regulamentar o setor, promover a reciclagem dos resíduos biodegradáveis e a reposição de matéria orgânica no solo».
A associação ambientalista congratula-se, por outro lado, com o primeiro acordo climático global alcançado em Paris. Segundo a Quercus, a Conferência do Clima de Paris – COP21 ficou «marcada pela positiva», com as 196 partes presentes a assinar o primeiro acordo universal de luta contra as alterações climáticas.
«Apesar de ter deixado várias pontas soltas e de não prever metas obrigatórias de redução de emissões, mas apenas compromissos voluntários, o Acordo de Paris representa um momento histórico, já que, pela primeira vez na história das negociações climáticas, todas as partes assinaram um acordo juridicamente vinculativo, num esforço conjunto de nações desenvolvidas e em desenvolvimento para manter o aumento da temperatura global nos 1,5ºC».
Facto positivo é ainda a criação, pela GNR, de equipas caninas para deteção de venenos. Estas equipas cinotécnicas de deteção de venenos, compostas por binómios de militares da GNR e cães, constituem «uma ferramenta fundamental na luta pela erradicação do uso de venenos na natureza contra a fauna».
Foram criadas três equipas com militares do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA) e sete cães pastores Belga Mallinois que vão trabalhar em conjunto e intervir nas Zonas de Proteção Especial (ZPE) da Rede Natura 2000 de Castro Verde, Vale do Guadiana, Mourão/Moura/Barrancos e Tejo Internacional, Erges e Pônsul.
Quanto às perspetivas ambientais para 2016, a Quercus defende que as «autarquias podem optar por alternativas aos herbicidas nos espaços públicos», recordando a Campanha contra os Herbicidas em Espaços Públicos, lançada em março de 2014, e que desafia as autarquias a abdicar do uso de herbicidas nos espaços públicos da sua responsabilidade e em alternativa optarem por métodos não químicos.
«São ainda poucas as autarquias que aderiram a esta Campanha», pelo que, em 2016, a Quercus espera que «mais autarquias sigam o exemplo das que já assumiram publicamente a mudança na prática do controlo de plantas infestantes».
A associação ambientalista anuncia também as suas expectativas em relação ao novo Governo. «Com a entrada em funções do novo Governo, a sociedade portuguesa está expectante face às novas medidas que irão ser tomadas, nomeadamente ao nível do Ambiente».
O programa do atual Governo, apresenta por exemplo, as propostas para revogação do Regime de Arborização e para a reavaliação do Programa Nacional de Barragens, «propostas que a sociedade espera que sejam cumpridas, de forma a corrigir erros anteriores e a melhorar o desempenho ambiental do país».
A Quercus considera igualmente fundamental que o Governo Português «tenha uma voz ativa junto do Governo Espanhol, de modo a que a Central Nuclear de Almaraz, a funcionar em fim de vida útil e localizada a apenas 100 km da fronteira, encerre definitivamente a sua atividade».
Por outro lado, as medidas constantes da Reforma da Fiscalidade Verde, que foram implementadas em 2015 e que «representam um primeiro passo no sentido de alterar o paradigma existente», devem ser melhoradas. «Será muito importante que em 2016 se consigam encontrar outros consensos políticos de modo a melhorar este pacote fiscal», defende a Quercus. «Será essencial dar um outro sinal à sociedade, sobretudo naquilo que tem a ver com o enquadramento social e ambiental da reforma, assim como com a sua justiça».
A Quercus considera também o ano de 2016 como «decisivo para a consolidação da Rede Natura 2000 em Portugal, o ano do arranque da elaboração dos Planos de Gestão, o ano da avaliação das incorreções de alguns dos limites dos Sítios de Importância Comunitária e de Zonas de Protecção Especial para as Aves, da designação de novos Sítios e do processo de alargamento da Rede Natura 2000 ao meio marinho».
Também seria desejável, na sua opinião, que «fosse o ano em que não se confirmassem os receios de que a Comissão Europeia pretende aligeirar as regras que impedem a destruição da Rede Natura 2000 por investimentos privados de duvidoso interesse público».
Para o próximo ano, a associação ambientalista defende ainda «mais e melhor investimento na sensibilização para a Conservação da Natureza». É que, sublinha, «face a um desinvestimento claro na área da conservação da natureza nos últimos anos, é tempo de assumir os problemas de cariz ambiental e a conservação da natureza como prioritários».
A Quercus defende, deste modo, que «mais investimento, por exemplo, na Educação e Sensibilização Ambiental a desenvolver nas Áreas Protegidas, seria um passo essencial para a moldagem de comportamentos e atitudes e, dessa forma, constituiria uma oportunidade de sensibilizar e informar a população para a importância da Conservação da Natureza».
Na área dos resíduos, a associação preconiza, igualmente, que «a criação das guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos iria ajudar muito a fiscalização e o registo adequado das operações de gestão de resíduos, uma vez que permitiria o cruzamento por via eletrónica da informação fornecida pelos diversos intervenientes neste setor».
Por último, a Quercus defende a «transparência na privatização da EGF», salientando: «se o Governo não reverter a privatização da EGF, espera-se que melhore o seu sistema de controlo das operações de gestão de resíduos urbanos, caso contrário o Estado poderá ser fortemente lesado».