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Otília Eusébio tem 62 anos e uma vida marcada pelo amor à natureza. É licenciada em Farmácia e durante décadas trabalhou em laboratório. Quando se reformou, decidiu deixar Lisboa e voltar ao seu Algarve, onde nasceu. Agora divide-se entre duas paixões, que tenta juntar: a farmácia e a gastronomia. «É assim que sou feliz», confessa.

Sempre de sorriso na cara, Otília Eusébio vai tirando, um a um, todos os ingredientes de que precisa para a sua arte. Há orégãos, mel, azeite, medronho… e tomilho cabeçudo. «Uma espécie única, que só há no Sotavento Algarvio», explica prontamente. O cenário não podia ser mais coincidente: é na mesa da cozinha do Museu do Trajo, em São Brás de Alportel, que Otília Eusébio vai colocando todos estes produtos. À sua frente, há tachos e panelas que fazem recordar tempos antigos.

Não antigo – e até bem recente – é o projeto de Otília “A cozinha é uma farmácia”, que nasceu em Fevereiro deste ano e que há duas semanas obteve o registo enquanto marca, no INPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Atualmente, apenas através de workshops, «no futuro, quem sabe onde», Otília tenta juntar neste projeto tudo aquilo que lhe é «muito querido»: a farmácia, a gastronomia e a «vertente educacional de tudo isto». O objetivo desta louletana é «ensinar a comer» e «defender os produtos naturais da nossa zona, comprados a produtores que tenham um conceito ecológico e de alimentação biológica». Porquê? «Porque esta é aquela que nos faz realmente bem à saúde», explica.

Nos pratos que faz – e que ensina a fazer nos workshops -, Otília, que não é vegetariana, junta tudo aquilo que conhece acerca dos benefícios naturais e nutricionais, para a saúde, dos alimentos, com o paladar e o sabor. É esta a tal «vertente educacional» de que fala.

Mas, o interesse desta algarvia pelos alimentos não se esgota aqui. Otília pertence ao movimento internacional Slow Food.«Acredito que os alimentos podem estar implicados numa mudança da própria economia e da própria política», explica. É esta também a filosofia do movimento Slow Food, que, no Algarve, pode ter um exemplo: o medronho, que «tem potencialidades enormes a nível do desenvolvimento local», diz.

 

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Por agora: a “gula saudável”. Mais tarde: o “turismo alimentar”

Todo o trabalho de Otília Eusébio se baseia, por agora, nos workshops que vai dando, muitos deles integrantes do programa “Loulé Criativo”. Além de formações para adultos, há também lugar para os mais novos poderem aprender como comer. Estes, confessa Otília, «têm sido muito concorridos».

«Os miúdos gostam de doce porque dá prazer», diz. Nestes workshops, cujo nome é “Gula Saudável”, Otília põe os mais novos a cozinhar e a reinventar doces, como a Nutella. «Com cacau puro e avelãs, é possível fazer uma Nutella saudável e muito saborosa. Todos os miúdos aderem e gostam», diz.

Com estas oficinas práticas, esta louletana tem o objetivo de «educar, desde bem cedo, os mais novos» para que estes transmitam os ensinamentos aos pais. «A verdade é que eles apontam as receitas, vão para casa e reproduzem o que fazemos nos workshops», confessa, orgulhosa.

Além destas formações, Otília tem uma grande ideia em mente: «levar a paisagem para a panela». Isto é, «fazer fins-de-semana gastronómicos e culturais», sempre relacionados com a natureza. Com esta iniciativa, Otília quer «levar os tachos e as panelas para a rua e degustar a paisagem», ou seja: cozinhar, ensinando quais são os benefícios naturais de cada alimento, e ao mesmo tempo apreciar as maravilhas naturais da Serra Algarvia.

 

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As “mezinhas” do século XXI 

Durante décadas, Otília Eusébio viveu longe da natureza e rodeada de tubos de ensaio, pinças e espátulas, em laboratório. O gosto pela natureza e pela «dimensão natural» da farmácia, ainda assim, nunca morreu. É, aliás, genético: «a minha bisavó, que nunca conheci, era recoletora de plantas. Em criança, ouvi muitas dessas receitas naturais dela pela boca da minha avó», diz, de sorriso no rosto.

Hoje, juntando isto aos conhecimentos do curso de Farmácia, além do projeto “A cozinha é uma farmácia”, Otília vai lançar uma linha de cosmética natural online, «com produtos da Serra de Monchique, da Serra do Caldeirão e da Ria Formosa», explica.

Nesta linha vai ser possível encontrar várias pomadas, tinturas e até protetores solares. «As pessoas normalmente pensam que os produtos artificiais só são consumidos através da boca, mas a verdade é que também podem ser consumidos através da pele, que até é o nosso maior órgão», diz, com um frasco de pomada de orégãos na mão.

Apesar de o seu projeto se focar apenas em produtos naturais, Otília reconhece que há medicamentos «ótimos que temos que tomar», mas não deixa de avisar que é «preciso repensar a utilização de aditivos, de tanto produto que nos faz mal, que vem com um princípio ativo, mas que traz toda uma gama de produtos nocivos».

 

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A dieta mediterrânica é «a melhor do mundo»

Toda a vida de Otília Eusébio é guiada pelo lema da alimentação saudável. Além dos projetos que tem, é ainda presidente da Associação das Terras e das Gentes da Dieta Mediterrânica, ou não fosse esta última «a melhor do mundo», como garante.

«A dieta mediterrânica não é só feita com produtos autóctones [produtos originários de uma região]. Se assim fosse, só comíamos castanha, alfarroba ou bolota. A dieta mediterrânica foi toda uma cultura de fora que nos chegou cá durante o período das Descobertas», avisa Otília. E acrescenta: «Tudo o que é criado aqui também já é dieta mediterrânica, como as mangas, o abacate ou a pitanga. Com a dieta mediterrânica, é possível ter uma variedade incrível de pratos».

Para Otília, essa é mesmo a base de uma alimentação saudável: a variedade e «ter tudo nas devidas proporções», sem nunca esquecer que «temos o melhor peixe do mundo».

A verdade é que, por estranho que pareça, esta «apaixonada pela natureza» vive na cidade. «O meu sonho era arranjar uma casa no campo, mas, como tenho casa em Loulé, vivo lá», confessa. Num tempo em que o regresso ao campo está muito em voga, Otília não o vê como a única possibilidade de seguir esta ideia.

Sempre calma, de sorriso na cara, enquanto vai guardando todos os produtos, que conhece como ninguém, deixa um aviso: «Mesmo sem ter uma horta e vivendo na cidade é possível voltar à terra, se formos consumidores consciencializados. Quando se compra produtos de um produtor com consciência ambiental, já estamos a voltar a terra».

 

Fotos: Pedro Lemos|Sul Informação

 

 

 

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