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A Passagem_João Saraiva_4João Saraiva, biólogo e investigador do Centro de Ciências do Mar do Algarve, já partiu para os Alpes austríacos (o Tirol), onde pretende passar «Um Inverno Perfeito» a conhecer a montanha e a praticar desportos de inverno.

O aventureiro algarvio continua a partilhar as suas deambulações com os leitores do Sul Informação, sempre às quintas-feiras. Este é o quarto episódio desta história, depois das crónicas «Agosto», «O Jantar Alpino» e «Ar e Estilo».

 

A passagem

A Passagem_João Saraiva_5Nos países com cadeias montanhosas, existe uma palavra que não tem tradução específica em Português (talvez pela nossa falta de cordilheiras à séria): pass em inglês, paß em alemão, passo em italiano.

Designa uma rota onde se passa de um lado para o outro de uma montanha sem ter que passar pelo topo. Uma passagem, para simplificar. Foi numa destas passagens, a 300 km do Tirol, que tive a epifania do Inverno Perfeito.

Mas calma: antes de entrar em considerações filosóficas, importa lembrar o que me trouxe até ao Alpes. Se o caro leitor bem se recorda (e se não, pode ver aqui e aqui), o Inverno Perfeito é um projeto de exploração dos Alpes que pretende ir além da perspetiva do comum turista.

Importava, portanto, ficar mais tempo, conhecer mais locais, mais estâncias de ski, mais pessoas que realmente saibam o que se passa nos Alpes, para lá da semana de pacote-tudo-incluído.

Mas, para além disso (e mais importante ainda), era um projeto de descoberta pessoal – mais do que conhecer a montanha, era senti-la. E se eu pensava que isto iria acontecer no topo de uma montanha, com uma tábua nos pés enquanto descia por ali abaixo, estava bem enganado.

Em visita a amigos na região da Estíria, no centro da Áustria, e tendo como destino a uma pequena aldeia com 300 habitantes (cuja única loja abre entre as 6h30 e as 11 da manhã e onde se podem comprar pregos e pouco mais), o GPS avariou. Acabei assim perdido após 4 horas de viagem, sem mapas, entre escarpas e falésias e com o céu a fechar-se em nuvens negras. Num dos poucos momentos em que consegui rede de telemóvel, liguei aos meus anfitriões e pedi referências. Hengstpaß, diziam do outro lado, devia tentar encontrar o Hengstpaß, uma passagem de montanha que faz a fronteira entre a Estíria e a província vizinha de Oberösterreich (que é como quem diz Áustria de Cima).

À custa de muitas voltas e muitos impropérios dirigidos ao suposto sistema de posicionamento global, lá consegui encontrar esta estrada. No CD do carro tocava o álbum ‘Almirante’ do coletivo algarvio oLudo. E enquanto atravessava essa passagem, no meio de uma indescritível paisagem de alta montanha, algures entre uma floresta majestosa e encostas verticais, cumes nevados e um rio gelado ladeando a estrada, eis que entra o tema ‘Muzar’, que convido o leitor a ouvir (o vídeo, embora excelente, não se adequa ao momento) enquanto lê as linhas que se seguem.

O poder que uma paisagem destas exerce sobre um comum mortal abateu-se sobre mim, enquanto guiava a minha carripana no Hengstpaß, com uma força tal, que tive que parar o carro. A música foi a banda sonora perfeita, o gatilho preciso para realmente conseguir aperceber-me da grandeza daquele lugar. Devo dizer que, embora já tenha viajado para vários continentes e estado perante muitas belezas naturais, nunca, de forma alguma, me senti tão esmagado por uma força da Natureza desta dimensão. Estava sozinho, num silêncio abismal, rodeado por um panorama que nenhuma fotografia conseguirá representar.

Era isto. Isto é a montanha! É este sentimento de ser pequeno, infinita mas serenamente pequeno, ínfimo diante das forças e do tempo que criaram e mantêm aquele lugar assim. Estava completamente arrepiado, e não era do frio. Eventualmente, lá me consegui recompor da minha epifania e retomei a viagem. Mas que alguma coisa mudou cá dentro, disso tenho a certeza.

Foto Viktoria Csanady
Foto Viktoria Csanady

O Hengstpaß liga as vilas de Windischgarsten a Oeste e Altenmarkt a Leste, passando pelo parque natural de Kalkalpen e fica a cerca de 150 km a Leste de Salzburgo. Seja em passeio curto, seja para uma exploração mais demorada, o conselho cá de casa é: ir, e já, o quanto antes!

Mas, claro, com tempo para “perder”, porque este cantinho dos Alpes tem muito mais que se lhe diga do que escorregar encostas abaixo. E, no fundo, não é uma barreira, mas sim uma passagem.

Nota (e ato de contrição) do autor: Infelizmente, o estado de torpor em que me encontrava não permitiu tirar muitas fotos. A maioria das que se seguem dizem respeito à localidade de Grossreifling, no parque natural de Gesãuse, muito perto do Hengstpaß.

João Saraiva tem 38 anos, é biólogo de formação e trabalha há anos como investigador, no CCMar.
É, igualmente, um apaixonado por desportos radicais, sendo praticante de surf e snowboard.
É radialista e colaborador de longa data da Rádio Universitária do Algarve RUA FM, onde dinamiza programas de divulgação científica e de música.
E não é só na rádio que João Saraiva dá a ouvir música, mas também na “pele” de DJ Sir Aiva, em bares, discotecas e eventos.

Veja todas as fotos:

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