João Saraiva, biólogo e investigador do Centro de Ciências do Mar do Algarve, já partiu para os Alpes austríacos (o Tirol), onde pretende passar «Um Inverno Perfeito» a conhecer a montanha e a praticar desportos de inverno.
Uma aventura que irá partilhar com os leitores do Sul informação, com uma série de crónicas, acompanhadas por imagens da sua viagem. Fica aqui o primeiro capítulo desta história, que poderá ser acompanhada no nosso jornal, sempre às quintas-feiras.
40ºC lá fora, um sol radioso, praias cheias neste nosso Algarve. E no ecrã do meu computador, montanhas, neve, e sites de viagens.
O meu nome é João Saraiva e sou biólogo no Centro de Ciências do Mar, na Universidade do Algarve. E sou um apaixonado pela montanha.
Durante anos, fui condensando a vontade de ir para a neve na habitual semana entre Fevereiro e Março, planeada desde o Verão e exaustivamente trabalhada para encontrar a melhor estância, o aeroporto mais próximo, o voo mais barato, o alojamento mais económico e o transfer que menos danos cause a uma carteira já bastante maltratada. Ano após ano, foram 7 noites e 6 dias de atividades na neve, pensados desde Agosto, contando as semanas.
Quando os dias de Inverno chegam, começam a chegar também os vídeos e fotos dos primeiros nevões nas revistas e sites de ski e snowboard – e a ânsia cresce. Quando finalmente chega a altura de partir para a montanha, os 6 dias são exíguos para fazer tudo que se tinha pensado (até porque os primeiros são para voltar à forma que se tinha o ano passado), e eis que de repente é hora de voltar.
Não chegava, queria mais. E um dia decidi: vou passar o Inverno na montanha.
Foi preciso trabalho e poupança extra, bem como muita cabeça fria para pôr de pé um plano que nem sabia se se iria concretizar. Quem acabou por premir o gatilho para a partida para o Inverno Perfeito foi a Fundação para a Ciência e Tecnologia que, numa leva de cortes no investimento em Ciência do anterior governo, rejeitou a minha candidatura a um projeto científico.
Eis então que encontrava numa situação “perfeita”: sem emprego e com alguns meses livres até à próxima ronda de candidaturas. É desta! Só faltava escolher o destino. E desde cedo que se afigurou que a Áustria seria o local certo para passar o Inverno Perfeito, explorando as montanhas do Tirol.
Mas porquê a Áustria? Apesar de a língua ser uma barreira importante (mas nada de que um curso de alemão não facilite), as razões são fortes:
A PAISAGEM
A Alpes da região do Tirol são absolutamente fantásticas. É certo que além da Áustria, a cordilheira alpina atravessa França, Suíça, Alemanha e Itália, e em todos eles as montanhas são bonitas. Mas há qualquer coisa de especial com o cuidado que os Austríacos têm com paisagem, e a forma como aproveitam vilas e aldeias com vida própria para desenvolver o turismo de neve (em contraste com outros países, onde criam urbanizações de raiz em plena montanha para turismo de massas). Sim, o respeito pela paisagem pesou muito.
O PREÇO
De todos os países alpinos, a Áustria é o mais barato. Se não acreditam reparem: combustível ao preço de Portugal, supermercado na mesma ordem de valores; cerveja nos bares a metade do preço de França e Suíça; refeições fora de casa ao nível cá do burgo. Experimentem almoçar nas estâncias na Suíça, e verão a velocidade supersónica com que o dinheiro voa da carteira. Ou reparem nos preços de alojamento em qualquer outro destes países. E já que falamos em alojamento…
TUDO PARECE NOVO
É incrível, mas é verdade. Tudo tem aspecto de ter sido acabado de construir. Tu-do! As casas. As estradas. As cidades. As ruas. Os jardins. E toda a infraestrutura das estâncias de neve. Como é que eles o fazem? Em todos os alojamentos onde estive na Áustria, tudo tinha sempre o aspecto perfeito. Não havia tinta a saltar em cantos escondidos. A madeira tem sempre o brilho de ter sido acabada de tratar. Nos restaurantes não há cadeiras frouxas, tinta gasta, mesas estragadas. Nos edifícios tudo está onde deve. Estará a diferença nos materiais? Ou no esforço de manutenção? Dá que pensar.
AS COISAS FUNCIONAM
Não sei se será das origens comuns com os vizinhos germânicos, mas tudo parece funcionar na perfeição. Conforme muitas e muitas regras e regulamentos, é certo. Mas isso permite provavelmente que as coisas funcionem como um relógio… austríaco.
AS PESSOAS
Os Austríacos (ou pelo menos os tiroleses) são uma mistura interessante de rigidez alemã com descontracção mais típica do sul da Europa. É certo que muito mais haverá a descobrir a nível social e humano, mas até agora parece-me um equilíbrio muito agradável.
Já referi que as paisagens são fenomenais?
Há alguns aspectos negativos aqui e ali, mas tudo é facilmente ultrapassável. Excepto um: A falta de gosto musical.
A “música” hedionda que se ouve saída dos muitos bares de aprés-ski é inqualificável. Estamos na terra natal do Mozart, caramba! Ou do Parov Stelar, ou do Peter Kruder e Richard Dorfmeister, já agora.
Como é que se consegue assassinar tanta música boa com o lixo euro-dance que tantas colunas vomitam por todo o lado assim que as pistas de ski fecham, pelas 4 da tarde? Kitsch, sim, mas não exageremos por favor.
Mas enfim, acaba rápido. E depois temos as montanhas só para nós. E tudo fica bem de novo.
João Saraiva tem 38 anos, é biólogo de formação e trabalha há anos como investigador, no CCMar.
É, igualmente, um apaixonado por desportos radicais, sendo praticante de surf e snowboard.
É radialista e colaborador de longa data da Rádio Universitária do Algarve RUA FM, onde dinamiza programas de divulgação científica e de música.
E não é só na rádio que João Saraiva dá a ouvir música, mas também na “pele” de DJ Sir Aiva, em bares, discotecas e eventos.
Veja as fotos de João Saraiva no Tirol: