A Cimeira do Clima de Paris e os compromissos nela assumidos pelos diversos países deviam ser o «fio condutor» de «toda e qualquer legislação nova» sobre as energias e o licenciamento de exploração e pesquisa de hidrocarbonetos em Portugal, defendeu José Amarelinho, presidente da Câmara Municipal de Aljezur, durante a Universidade de Verão da In Loco.
O autarca socialista, grande opositor da exploração de petróleo ou gás natural no Algarve, em terra ou no mar, considerou ainda que, em relação aos contratos já estabelecidos com consórcios petrolíferos que, no mar, já estão na fase de avançar para a pesquisa e exploração, o Governo devia assumir a sua resolução. «Se andamos a salvar bancos com milhões, porque não saldamos as nossas contas com esta gente e acabamos de vez com uma situação que tanto prejudica o país e a região?», interrogou José Amarelinho.
Na edição deste ano da sua Universidade de Verão, que decorreu em Olhão, a associação In Loco e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra lançaram à discussão uma Iniciativa Legislativa Cidadã com vista a alterar o Decreto-Lei nº 109/94 de 26 de Abril, que regula o exercício de atividades de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo na plataforma continental.
Para isso, ao longo de um dia de intenso debate, houve três painéis de convidados, acompanhados por juristas: um primeiro com os deputados eleitos pelo Algarve – Cristóvão Norte (PSD), Fernando Anastácio (PS), João Vasconcelos (Bloco de Esquerda), Paulo Sá (PCP) e Teresa Caeiro (CDS) -, um segundo com autarcas – Jorge Botelho (Tavira), José Amarelinho (Aljezur), Rogério Bacalhau (Faro) e Vítor Aleixo (Loulé) e um terceiro com peritos e movimentos sociais que se têm oposto à exploração de hidrocarbonetos.
Na opinião do presidente da Câmara de Aljezur, «há todo um contexto que nos obriga moralmente a que assim seja: a COP21 obriga-nos a uma economia de baixo carbono», não fazendo sentido que, por um lado, o Governo do seu partido defenda a descarbonização e, por outro, tenha uma posição pouco clara sobre a exploração de hidrocarbonetos.
«Enquanto os partidos, incluindo o meu, não for claro quanto a esta matéria, vou bater-me contra isto», garantiu.
«Não podia estar mais alinhado com o que o João Vasconcelos e o Bloco de Esquerda dizem – sendo eu socialista! Do meu ponto de vista, este decreto é muito obsoleto, por isso sou defensor de uma revogação imediata deste decreto-lei», acrescentou.
José Amarelinho fazia alusão à intervenção, no painel anterior, o dos deputados, de João Vasconcelos, parlamentar do Bloco de Esquerda, que tinha arrancado entusiásticos aplausos de uma plateia maioritariamente constituída por membros dos diversos movimentos contra a exploração de hidrocarbonetos.
É que, enquanto os restantes deputados se pronunciaram sobre alterações a fazer na lei atual – o tal Decreto-Lei nº 109/94 de 26 de abril – nomeadamente sobre a necessidade de explicitar melhor a necessidade de realização de Avaliação de Impacte Ambiental e de separar pesquisa de exploração, o bloquista João Vasconcelos defendeu a pura e simples revogação da lei. «Este decreto é tão mau que não tem possibilidade de ser alterado, tem mesmo de ser revogado», afirmou.
Apesar dos aplausos que recebeu da assistência, o deputado algarvio do BE não deixou de ouvir um reparo mordaz de Teresa Caeiro, do CDS (a mais ruidosamente contestada, de tal forma que até falou de bullying opinativo), que estranhou que, apesar de defender a revogação do decreto, o Bloco tenha votado, na Assembleia da República, ao lado do PS e do PCP numa proposta de resolução que defendia a…alteração da lei atual.
Da parte dos deputados, pouco de novo se ouviu e dos autarcas também, uma vez que reafirmaram posições já conhecidas. Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, eleito numa coligação em que o PSD é maioritário e o único dos autarcas da mesa que não era do PS, defendeu que «só temos de responder a uma pergunta: queremos ou não exploração de petróleo no Algarve e no país? Tudo o resto são querelas políticas e partidárias».
«O que queremos é tirar o artigo 5º e o 10º e substituir por outro? Na minha perspetiva não! No essencial, estamos todos de acordo, devemos pôr a disputa política de lado e substituir o 109 por uma lei que aposte no desenvolvimento sustentável», concluiu Rogério Bacalhau.
Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, socialista, enviou um recado para dentro do seu próprio partido, quando disse: «não compreendo que o Governo possa ter tido posições que considero tão dúbias». O autarca recordou que «não há assim tanto tempo, o PS aprovou a Estratégia para a Década, que contém uma opção claríssima pela mudança da base energética da economia».
Por último, Jorge Botelho, também socialista e presidente da Câmara de Tavira e da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), defendeu que «não podemos ter uma lei permissiva, em que o licenciamento é feito completamente à revelia das populações e dos autarcas».
«No Algarve, não cabe a exploração de petróleo ou gás, quer onshore, quer offshore», sublinhou Botelho, recordando as providências cautelares entregues pela AMAL «contra todos os processos ativos» de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos na região algarvia, ou seja, contra o consórcio GALP/ENI (no mar) e Portfuel (em terra). Ainda não há decisão sobre estas providências cautelares, mas tem havido desenvolvimentos.
Da assistência também vieram contributos. Uma das ativistas da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) explicou que, para esta estrutura que congrega associações ambientalistas e movimentos anti-petróleo, «não faz sentido uma simples alteração do articulado da atual lei». A PALP exige, por isso, a sua revogação e vai mesmo mais longe, exigindo uma «lei base do modelo energético português, que contemple as energias renováveis».
Com um painel de deputados unânimes contra a exploração de petróleo no Algarve (mas não quanto à pesquisa) e na sua maioria pela manutenção da atual lei, e um painel de autarcas unânimes contra a exploração e contra a lei atual, que conclusão poderão tirar a In Loco e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra da pertinência – ou não – da sua Iniciativa Legislativa Cidadã para mudar o decreto 109?
Nelson Dias, presidente da In Loco, explicou ao Sul Informação que o objetivo «com este tema foi perceber o campo para uma eventual iniciativa cidadã. Percebemos, após esta manhã de trabalho, que, a nível regional, não há apoio à exploração de petróleo, nem à atual lei, mas que, a nível nacional, no seio da Assembleia da República, a maioria considera que deve ser mantido o atual regime jurídico, eventualmente com algumas correções. A Assembleia da República não está disponível para revogar a lei, percebemos isso aqui hoje».
De qualquer modo, sublinhou ainda Nelson Dias, «o que nós queremos é contribuir para o debate, não temos nenhuma decisão tomada» sobre se avança ou não a Iniciativa Legislativa Cidadã.