Os pequenos agricultores vão sair prejudicados com as regras do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), o sucessor do programa Poder no atual Quadro Comunitário de Apoio, o Portugal 2020.
Esta é a visão partilhada pelas confederações de agricultores mais representativas do país, que colocaram em causa algumas das alterações operadas, em relação ao passado, numa Audição Parlamentar promovida esta segunda-feira pelo deputado socialista algarvio Miguel Freitas, em Tavira.
A sessão que teve lugar no Hotel Vila Galé de Tavira debruçou-se sobre o tema «Novo ciclo de políticas comunitárias para a agricultura, floresta e desenvolvimento rural no Algarve». Nela, foram chamados a dar a sua visão seis dirigentes de confederações de agricultores, nomeadamente Luís Mira (CAP) Aldina Fernandes (CONFAGRI), Alexandre Vinagre (CNA), Firmino Cordeiro (AJAP), Luís Saldanha (CNJ) e Luís Chaves, da Federação a Minha Terra. A moderação ficou a cargo da ex-gestora do Proder Gabriela Ventura.
Numa perspetiva regional, o grande problema prende-se com a impossibilidade de atingir o teto máximo de apoio, mesmo para os agricultores que estejam inseridos em zonas consideradas desfavorecidas.
Neste campo, houve, na visão de Miguel Freitas, «um erro no desenho do programa, por parte do Governo». «O programa determina que um agricultor de uma zona desfavorecida tem direito a 40 por cento de comparticipação, que pode ser majorada em 10 por cento, caso seja um jovem agricultor e noutro tanto, caso adira a uma organização de produtores», explicou. Ou seja, o nível de comparticipação pode atingir os 60 por cento, para quem reúna as condições todas.
O problema é que, no Algarve, isso não acontece, em virtude da «norma guilhotina» imposta pelo Governo para as regiões ricas, em que o teto máximo de comparticipação é de 50 por cento. Assim, mesmo que um agricultor algarvio cumpra todos os requisitos, nunca poderá beneficiar dos 60 por cento.
Firmino Cordeiro (AJAP): “Parece que, agora, já se distinguem os jovens agricultores ricos dos pobres”
Considerando que se está perante «uma discriminação negativa» em relação aos agricultores algarvios de zonas desfavorecidas, Miguel Freitas defendeu, em declarações ao Sul Informação, que a lógica deveria ser «30 por cento para zonas ricas, com os 10 por cento de majoração para jovens e para quem adira a Organizações de Produtores». «Caso o agricultor em causa estivesse numa zona desfavorecida, teria mais 10 por cento, atingindo, desta forma, os 60 possíveis», defendeu.
Já as confederações, realçaram diversas alterações negativas, desde logo, uma que afeta, de maneira especial, os pequenos agricultores. No PDR, foi aberta uma medida de apoio a pequenos investimentos (até 25 mil euros), a ser gerida por Associações de Desenvolvimento Local (ADL), mas que é aberta a todos os agricultores e não apenas aos de menor dimensão, como no passado.
Uma decisão que, na opinião das confederações, desvirtua o objetivo deste apoio. «Julgo que, desta forma, a medida fica sem foco», resumiu Luís Mira, da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), opinião que foi secundada pelos seus congéneres.
«Os pequenos agricultores vão sair penalizados da única medida que lhes era especificamente destinada», considerou, por seu lado, o deputado Miguel Freitas, que vai apresentar esta semana um projeto de Resolução na Assembleia da República onde irá levantar algumas das questões abordadas na sessão.
Outra medida fortemente criticada foi a introdução de um valor mínimo de investimento, para que um agricultor possa candidatar-se a apoios. Neste caso, as principais críticas surgem dos representantes dos jovens agricultores. «Parece que, agora, já se distinguem os jovens agricultores ricos dos pobres», acusou o dirigente da Associação de Jovens Agricultores de Portugal Firmino Cordeiro.
Segundo este responsável, o PDR obriga a um investimento de base de 55 mil euros, para obter um apoio de 15 mil euros, quando antes «bastavam 35 mil». Ou seja, como colocou o representante da Confederação Nacional de Agricultura Alexandre Vinagre «duplicou o montante de investimento mínimo, o que deixa de fora muitos pequenos agricultores».
Também foram avançadas algumas dúvidas quanto às metas do Governo, no que toca às Organizações de Produtores. Há incentivos à cooperação entre agricultores, algo que é positivo, mas desconfiança quanto a capacidade que os pequenos e médios agricultores terão de a eles aceder, tendo em conta as regras definidas.
«Penso que a dimensão da nossa agricultura não é aquela que está expressa neste PDR. Julgo que a fasquia foi colocada demasiado alta, a quase todos os níveis», defendeu Firmino Cordeiro.
No final, o mais importante é receber a tempo e horas
Com defeitos ou com virtudes, o PDR 2020 está aí e agora importa aproveitá-lo ao máximo, consideraram, por outro lado, os diferentes intervenientes. E isso passará, à cabeça, por uma boa gestão do programa. Ou seja, é preciso cumprir os prazos, principalmente de pagamento, para que os agricultores tenham mais segurança nos investimentos que fazem.
«Todos criticámos o Proder, porque era um programa mau, mas acabou por agradar aos agricultores, porque foi muito bem gerido», elogiou Luís Mira, visando a moderadora do debate, que foi a responsável pro esta área, naquele programa.
«Para ser bem gerido, um programa deste tipo tem de cumprir três requisitos fundamentais: 1º, pagar a tempo, 2º, pagar a tempo, e 3º, pagar a tempo», referiu o dirigente da CAP, motivando o riso das muitas pessoas que fizeram questão de assistir à sessão, entre os quais se contaram muitos autarcas algarvios e académicos.
Além das questões do desenho e regras do PDR, Miguel Freitas vai focar outro problema, no seu projeto de Resolução: a diminuição das verbas destinadas ao Desenvolvimento Rural, que, considerou, quase desaparecem.
«As ADL do Algarve – In Loco, Terras do Baixo Guadiana e Vicentina – vão receber 2 a 3 milhões de euros cada, para a área de Diversificação de Atividades [apoio a projetos que não sejam diretamente relacionados com a agricultura], quando, no Proder, esse valor ascendeu aos 6 milhões. Estamos perante um corte de metade a dois terços do valor», salientou.