Comecemos por clarificar: não se pense que o fenómeno é novo. Senão vejamos: mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo praticam agricultura em ambiente urbano.
Em cidades como Moscovo, 65 por cento da população urbana pratica agricultura. Ou nos Estados Unidos, onde foi calculado que 40 por cento do valor de agricultura produzida é feito em zona urbana.
Mas em Portugal – e particularmente no Algarve – o paradigma ainda tem de ser alterado. E está a ser. A “Iniciativa aHorta”, que a associação In Loco está a promover em vários concelhos do Algarve Central, é um dos bons exemplos: ainda em fase de “lançamento”, já é um sucesso.
O projeto pretende estimular a agricultura em ambiente urbano e incentivar pessoas a criar pequenas hortas de varanda, de quinta ou hortas comunitárias e foi apresentada este verão para ser implementado com vários parceiros, nomeadamente autarquias, mas também Algar, Fagar ou a Glocal Faro.
Parte desta iniciativa é “aHorta Solidária”, um projeto financiado pela Fundação EDP Solidária, numa intervenção que consiste no apoio à dinamização de três hortas comunitárias nos concelhos de Faro, Loulé e São Brás de Alportel.
A Horta Social de Faro, por exemplo, fica no centro histórico da cidade e conta com nove talhões, dos quais cinco estarão a cargo de famílias, três a Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e outro de uma escola do concelho.
A de São Brás de Alportel (Horta do Nascimento) conta com vinte talhões, todos já entregues a famílias locais – mais uma horta de demonstração, instalada junto à sede da In Loco, naquela vila, onde serão criados espaços de produção e formação em agricultura biológica.
Em Loulé, está a ser “criada” uma Horta com dez talhões, mas que pode vir a ser alargada numa fase mais adiantada do projeto.
Ao Sul Informação, Nelson Dias, presidente da In Loco, ajuda a explicar um fenómeno que mesmo no Algarve não nasce agora. «A “In loco” trabalha na área da agricultura em meio urbano já desde os meados dos anos 90», refere. Por uma razão simples: «para nós, não faz sentido uma separação entre o “urbano” e o “rural”», explica.
Mas embora haja agora “um crescente interesse em agricultura em meio urbano”, seria difícil prever o interesse maciço de cidadãos nas hortas comunitárias que as autarquias disponibilizaram no âmbito do projeto “aHorta Solidária”.
Logo na semana da apresentação do projeto, choveram interessados. Numa semana, em São Brás de Alportel, o número de interessados quase duplicou o número de talhões (20), obrigando os responsáveis a encerrar a fase de candidaturas antecipadamente.
Em Faro, apareceram quase 20 interessados para os nove talhões existentes na Horta Social de Faro. Em Loulé, o processo de seleção dos candidatos ainda não decorreu, mas já houve várias manifestações de interesse nos dez espaços para cultivo.
Os critérios de seleção dos candidatos passam, explica o dirigente da In Loco, pela «ordem de inscrição, pela proximidade mas também pela condição sócio-económica» ou até pelo facto de já terem à sua disposição um terreno para exploração.
Mas para já, refere também, não é possível traçar um perfil dos interessados. Uma única certeza: «são pessoas com perfis muito diferentes, mas que não dependem desta atividade para subsistência – até porque os talhões são relativamente pequenos [35 a 40 metros quadrados]. Essencialmente são pessoas de classe média, que querem ter uma atividade diferente daquela que exercem no seu dia-a-dia”, refere Nelson Dias.
E esse é precisamente um dos objetivos desta iniciativa: não só ajudar as famílias a terem maior autonomia alimentar e fomentar o gosto pela cultivo, pela terra, ampliar a biodiversidade em contexto urbano e desenvolver uma consciência ambiental apurada, mas também potenciar espaços de convivência familiar e comunitária dentro das cidades.
“Queremos ter também uma função social: estas hortas podem aproximar uma família, podem levar as famílias a estarem juntas”, explica o dirigente ao Sul Informação.
Por enquanto, apenas um talhão já está a ser cultivado: é na Horta Social de Faro, da responsabilidade de uma IPSS, que o detém desde Agosto. Mas em pouco tempo, a In Loco vai dar formação aos diversos hortelões nas várias hortas comunitárias e atribuir os restantes talhões.
Para consumar este projeto, a In Loco bateu à porta de três autarquias: Loulé, Faro e São Brás de Alportel. Mas apesar do projeto ainda não estar totalmente implementado, a verdade é que já há várias outras autarquias do Algarve a inverter o processo e a bater à porta da associação manifestando o seu interesse em ter também hortas comunitárias nos seus concelhos.
Por isso, é previsível que, no futuro próximo, concelhos como Silves ou Albufeira – que já terão terrenos disponíveis e apalavrados – venham também a integrar uma “rede de hortas comunitárias” no Algarve.